Um projeto de autoria da vereadora Comandante Nádia (PP), aprovado na Câmara Municipal, autoriza a mudança do nome da Rua 4006, extensão da Rua Odília Feliciano de Souza, na Vila Orfanotrófio, para Olavo de Carvalho, recém-falecido filósofo e astrólogo.
Não vejo nenhuma ligação de Olavo com Porto Alegre. Nenhuma conexão da sua obra com o Rio Grande do Sul. E, se tivesse algum tributo, não seria auspicioso, tendo em vista alguns de seus ácidos títulos, como O Imbecil Coletivo ou O Mínimo que Você Precisa Saber Para Não Ser um Idiota.
Ser mencionado por Olavo de Carvalho corresponde a apanhar, a ser criticado, a ser debochado. Ele não fazia elogios a lugares ou pessoas. Sorte de a capital gaúcha estar fora de seu catálogo de inimizades.
Não se trata, portanto, de um reconhecimento a algum representante ou líder com trabalho de evidente identificação com as nossas raízes, mas de um expediente de motivação eleitoral, para ratificar as ideias do ideólogo de Jair Bolsonaro – presidente este que é a preferência política da Comandante Nádia, candidata ao Senado.
A proposição-paraquedas a um pensador paulista, que morou grande parte de sua vida nos Estados Unidos, sofreu contundente oposição dos moradores. Um abaixo-assinado virtual organizado pela comunidade já reuniu 15 mil assinaturas contrárias.
Eu fico pensando o quanto existem lacunas mais urgentes a ser preenchidas em nossas placas azuis das esquinas, o quanto personalidades ilustres estão sendo esquecidas, o quanto sólidas referências intelectuais do nosso Estado ainda não receberam um olhar carinhoso por parte dos vereadores. O exemplo mais gritante é Caio Fernando Abreu, um dos maiores escritores brasileiros. Nasceu na Região Central, em Santiago, e escolheu morrer em Porto Alegre, depois do diagnóstico de HIV, doença letal naquela década de 1990.
Autor de clássicos como Morangos Mofados e O Ovo Apunhalado, Caio teve sua ficção adaptada para o cinema, para a televisão e para o teatro, foi três vezes premiado com Jabuti, traduzido para vários idiomas, consagrado pela crítica como um dos responsáveis pela modernização e urbanização da linguagem no romance e no conto e se tornou leitura obrigatória de qualquer concurso vestibular no país.
Existe todo um acervo dedicado ao seu trabalho na PUCRS, com objetos pessoais como máquina de escrever, laptop, correspondências, clipping, livros, fotografias, datiloscritos e manuscritos, mas não há em Porto Alegre uma rua com o seu batismo, uma viela, uma praça, um viaduto, uma passarela, uma escola, mesmo após 26 anos de seu falecimento.
Isso que ele sempre falou bem de Porto Alegre, e do Menino Deus em especial, bairro em que morou e escreveu seu último livro, Ovelhas Negras, e onde cultivava roseiras e delicadezas.
Já basta o escárnio da destruição de sua residência em estilo espanhol, na Rua Doutor Oscar Bittencourt, nº 12, expondo a completa falta de iniciativa para o merecido tombamento histórico.
Eu me recuso a acreditar que a omissão é consciente, que o lapso é planejado, que tudo é feito propositalmente como boicote a quem lutou pela diversidade e pelas minorias.