Minha mãe sempre me convidava para separar o feijão com ela. Dos filhos, era o parceiro habitual nessa tarefa noturna.
Quando chegava da aula do contraturno, no entardecer, pendurava a mochila no gancho atrás da porta, vestia o avental de ajudante e me debruçava para catar feijão na mesa de canto da cozinha, aquela que jamais mudava de estampa: sempre vestida com a toalha plástica floreada.
Naquele tempo, comprávamos o produto a granel no armazém, a olho, servindo-nos com concha nos sacos de estopa. Não vinha limpinho e ensacado como o de hoje. Exigia de nossa parte uma seleção rigorosa. Não foram poucas as vezes em que espantamos insetos escondidos nas cascas negras.
No alguidar com água, repousávamos os grãos sadios, bonitos, inteiros, brilhantes, conferindo à elite das pedras o privilégio de boiar por dezesseis horas. No outro canto, fazíamos um montinho com os grãos pisados, quebrados, danificados, destinados ao descarte.
Eu sofria com a peneira porque eu me sentia o feijão “feinho”. Não desejava que ele morresse ou que fosse banido do convívio doméstico. Até escondia um punhado no bolso, fantasiando uma embaixada para refugiados políticos.
A mãe captava o que eu sentia, a minha identificação emocional, a minha projeção de sentimentos, e não falava nada. Ela não me constrangia com perguntas difíceis sobre bullying na escola, não forçava confissões, não buscava a delação premiada de colegas que me incomodavam. Não tocava na ferida, no assunto, no meu medo. Fazia diferente, dava uma solução. Apanhava os feijões defeituosos e dizia:
— Esses têm uma missão especial. Não vão para a panela, mas para o quintal. Vão gerar outros feijões. Me ajude a plantar?
Os grãos feiosinhos não eram jogados fora, mas cultivados na horta. Revezávamos a pazinha para depositar as sementes em feixes laterais. Depois de meses, elas se transformavam em plantas verdes, viçosas, com cálices nas folhas para guardar as lágrimas do céu.
Da mesma forma, eu nunca fui posto de lado pela família. Germinei com toda a paciência de que precisava para entender e sarar as minhas dores. O silêncio da cumplicidade cicatrizou qualquer fantasma da exclusão.
São os pequenos e discretos gestos aqueles que mais nos inspiram. Feliz do filho que, ao regressar da escola, reconhece um professor em seus pais.