A cobiça é criminosa. Se eu ganhasse na Mega-Sena, não contaria para ninguém, a não ser para o meu círculo familiar mais próximo.
Nem é por senso de humildade, ou para evitar a ostentação, mas por uma necessidade de proteção da própria vida e dos filhos.
.
Tenho a crença de que, se você não impõe à bonança o silêncio de túmulo, é você que terminará ocupando a lápide.
Eu não faria nenhuma extravagância, nenhuma compra absurda, não daria nenhuma amostra das facilidades de consumo.
Talvez desaparecesse por um tempo, escondido num lugar remoto.
A inveja atrai oportunistas, charlatões e vigaristas. Se as pessoas souberem que você está nadando no dinheiro, vão afogá-lo. Todos irão se aproximar de você para tentar obter benefícios. Não existirá uma única relação sincera e ingênua depois da fortuna. O amor genuíno é impossível após a conta transbordar.
Vejo com imensa perplexidade o que aconteceu com Jonas Lucas Alves Dias, de 55 anos, encontrado com sinais de espancamento às margens de uma rodovia em Hortolândia (SP), há uma semana.
Tudo porque não escondeu que arrebatou R$ 47,1 milhões da Mega-Sena, em setembro de 2020.
Não se manteve discreto e anônimo diante do milagre financeiro. E acabou pagando a visibilidade pública com a sua vida.
Virou um personagem famoso na região por ter vazado a notícia do prêmio. Ele se referia ao bilhete como "uma aposentadoria gorda".
Apesar de conservar a sua simplicidade, morando na mesma casa com uma irmã e um irmão, apesar de frequentar o mesmo boteco da esquina onde tomava a sua cervejinha, apesar de sair de casa com bermuda, camiseta e chinelo, foi alvo da maldade. O fato de permanecer com a personalidade e rotina iguais às de antes da bolada não garantiu a sua sobrevivência, pelo contrário, facilitou a emboscada.
A ausência de malícia e a crença na bondade das pessoas fez com que se tornasse uma presa fácil de sequestro, com horários definidos de passeio. Ele não achava perigoso andar sozinho, sem seguranças, pelo bairro. Não morria de medo, não sofria de paranoia, não suspeitava de qualquer bajulação.
Sequer a generosidade o protegeu. Ele tinha empregado a quantia polpuda do sorteio da Caixa Econômica Federal mais com outros do que consigo. Montou uma empresa de ferramentas com ex-colegas de trabalho, comprou medicamentos para um vizinho que se encontrava em tratamento de câncer e presenteou um amigo da infância com um caminhão no valor de R$ 450 mil.
No Brasil, no ambiente tóxico de insegurança e violência que experimentamos, a felicidade caminha sempre em direção ao latrocínio. Mata-se para roubá-la.