Um ladrão em Cariacica (ES) devolveu o veículo roubado que tinha uma cadeira adaptada a criança com deficiência no banco de trás. No painel do carro, pendurou um bilhete: "O crime pede perdão. Na hora da tensão, não deu pra ver o problema da criança. O carro está sendo devolvido. Tanque cheio!!!".
Não acredite no conto de fadas do ladrão arrependido. Ele não é um herói, não é um Robin Hood. Não devemos inverter os valores e glorificar a bandidagem. É o equivalente a normalizar o medo e aceitar passivamente a contravenção.
Quem leva o dinheiro, mas deixa a carteira com documentos, por exemplo, não é menos ladrão do que quem leva tudo. Concessões jamais abolem a gravidade do delito.
Com o aumento da nossa tolerância, meu temor é passarmos a beatificar bestas quadradas, admitindo prejuízos por antecipação.
Não há ética profissional no furto e no assalto. Não há um sindicato com plano de saúde. Ou você acha que é dado um desconto a um motorista de aplicativo porque ele usa o carro para o serviço?
Não há restrições de abordagem a indefesas crianças, distraídos adolescentes e crédulos idosos, aliás, formam o público mais cobiçado na captação de celulares, na investida à mão armada e na realização de golpes.
Para o criminoso, é sempre tudo ou nada, vida ou morte. Dependendo da reação, a vítima pode perder o seu futuro por um tênis ou por um relógio. O luto é desencadeado por banalidades. Depois não tem como resgatar existências assassinadas.
A redenção, portanto, não é de verdade. O delinquente capixaba só restituiu o automóvel devido à ampla campanha da família nas redes sociais para obter de volta a cadeira.
Não pense que foi compaixão por uma criança deficiente. Se ele soubesse o valor do equipamento, avaliado em R$ 17 mil, mudaria logo de ideia. Talvez devolvesse o carro sem a cadeirinha.
Ele não se entregou à polícia, não confessou os seus crimes. Continuará agindo, e desfalcando bens, e aterrorizando outras pessoas. Não atendeu nenhum chamado divino para endireitar a sua trajetória. Segue igual. Abriu apenas uma exceção dentro de uma inabalável conduta violenta.
O trauma do último domingo (28/8) permanecerá por muito tempo no pensamento da dona de casa, assim como os danos psicológicos nos seus dois filhos, de 4 e 10 anos. A truculência dos bandidos armados, que coagiam, gritavam e empunhavam o cano frio apontado para a cabeça, se repetirá mentalmente dia após dia na família, que não vai mais fechar o portão da garagem sem pavor, rezando para que o controle pisque rápido.