Há um morto no meu banheiro. Convivo com ele fazendo de conta que não existe.
É um morto já totalmente pálido, ocupando um espaço imerecido num ambiente que não é tão grande. Já estava lá quando cheguei, quando comprei o apartamento, e não questionei, não pedi a sua remoção, até porque eu não seria atendido pela antiga proprietária. Tirá-lo seria muito dispendioso. Minha esposa e eu fingimos que é normal a sua existência extinta, sem nenhuma utilidade, sem nenhuma serventia.
O falecido incômodo é o bidê, de origem francesa, comum nas casas de famílias mais abastadas até os anos 80. Uma privada paralela, atualmente inútil com a sua substituição pela ducha higiênica.
Era usada para a limpeza íntima. Juro que não entendo como alguém poderia se lavar ali, realizando um deslocamento nada natural, ou talvez só natural a um sapo que pula. Trata-se de uma patética dança das cadeiras, tendo que ir ao vaso vizinho para um asseio de duas etapas. Não tem como não se sentir um bife à milanesa, posto na farinha antes de fritar.
Quem se senta no bidê, sem a tampa protetiva, afunda. Tem quem fique encalacrado. Será necessário gritar por ajuda e chamar um guindaste.
Aquilo é um chafariz, um esguicho automático de grama. O jato não tem direção definida e se espalha pelo alto a partir da pequena válvula com furinhos. Vai ensopar o banheiro transbordando líquido pelos cantos.
Qual o fundamento do ralo com tampão de metal? Não é uma hidromassagem. Você vai encher aquilo para qual finalidade? Para brincar de barquinho enquanto faz suas necessidades?
Ninguém, em pleno exercício de sua saúde mental, banhará seu bebê naquela estreita redoma sabendo que já foi empregada para fins menos nobres. Nem é cautela, e sim uma questão de nojo retrospectivo.
No formato de bacia, sequer os pés encontram refúgio confortável. É como enfiar o pé na jaca, com a perna de apoio em desequilíbrio pela altura. Já pensei em lavar as minhas solas sempre encardidas por andar descalço pela casa, mas quase caí para trás na posição perneta. Não suportei o alongamento.
Hoje, no máximo, sua superfície seca serve como purgatório do cesto da lavanderia, como um apoio para depositar as roupas sujas antes do banho.
Não entendo como se vivia com o bidê. Imagino, imagino, porém não chego a uma conclusão plausível, a uma realidade palpável.
Ele é um bebedouro de traseiro. E, como todo bebedouro, você aperta de um lado, e a água sai do outro.