Você tem um amigo brilhante, espirituoso e brincalhão, com cabelo sempre despenteado de modo impecável, como se estivesse permanentemente acordando, mas ele mente, ele não somente mente, mente e desmente a todo momento, a ponto de você nunca definir se ele finalmente está sendo sincero e revelando tudo.
É um político conhecido, que vive aparecendo na capa do jornal. Só que você conhece a verdade por trás da fama.
Por exemplo, ele defendeu o lockdown na pandemia, permitindo unicamente encontros com duas pessoas ao ar livre, com distanciamento de dois metros, mas fazia festas em segredo para mais de cem pessoas na laje da sua casa. Não foi uma ou duas, foram pelo menos doze farras. Deu para gastar a franja dançando.
Esse mesmo amigo promoveu um parlamentar como vice-líder do seu governo, entretanto tal aliado havia sido denunciado por abuso sexual - teria apalpado homens num clube privado. Seu amigo alegou não saber disso quando realizou a promoção, até surgirem provas de que ele sempre soube.
Assim como ele apoiou um colega que transgrediu as regras sobre o funcionamento do lobby no país. Permitiu que alguém usasse a influência no governo para benefícios privados e tentou, em vão, alterar o sistema protetivo.
Ele ainda realizou uma reforma em sua residência pública e ocultou a origem de parte do financiamento.
Qual seria a sua atitude: denunciaria? Ou passaria pano e ofereceria um desconto por sua infância solitária, sem nenhum confidente, enfrentando várias cirurgias para remediar uma surdez iminente? Entenderia a sua sede de poder pela carência de quando era pequeno, relevaria a sua ambição que atropela a coerência e a própria palavra?
Estou descrevendo a sucessão de erros do primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, que renunciou ao posto de líder do Partido Conservador e se desligará da sua função de premiê após três anos.
Nem a sua principal bandeira e promessa de campanha cumprida, a saída do Reino Unido da União Europeia (Brexit), ficou ilesa da controvérsia – o acordo se tornou uma encrenca para o Reino Unido, com oposição na Irlanda do Norte, um novo referendo de independência da Escócia e um comércio seriamente prejudicado pelo término de acordos comerciais com o bloco europeu.
Extravagâncias folclóricas como a do lendário ministro Winston Churchill – Nobel de Literatura, um dos bastiões verbais da vitória dos Aliados na Segunda Guerra Mundial, mantinha o hábito de conduzir reuniões de emergência praticamente nu, para o desconforto da sua equipe presente – são gracejos inofensivos e infantis perto de fraudar a realidade. A nudez da alma é sempre mais obscena.
O ditado popular diz que a mentira tem pernas curtas. Eu acrescentaria que também tem braços longos. Costuma sufocar os seus adeptos.