Perdemos nossa honestidade essencial. Todo mundo, rico ou não, era pobre. Ninguém queria ser rico. Ser milionário consistia numa ofensa.
Na minha infância, você tinha um tênis ou uma camiseta de imitação de grife e, quando alguém elogiava, fazia questão de esclarecer a falsificação, de reportar que comprou no camelô, que fez um excelente negócio. Dava até o nome e o endereço da loja. Democratizava o ponto de consumo.
Seu prazer estava em provar que o falsificado se parecia com o original a ponto de qualquer observador não identificar a diferença.
A valorização da semelhança já atingia o regozijo almejado.
Mas não se mentia guardando segredo. Não se calava para gerar ostentação. Não se pretendia enganar e passar a imagem de ter adquirido o produto original. Não se fraudava a condição social.
Até porque ter algo que você não podia despertava na família a suspeita de que havia roubado. Não se brincava com a lisura. Não se produzia nenhuma prova contra a idoneidade.
Se os pais desconfiassem de que saiu do caminho certo, de que exagerou no consumo, já o obrigavam a devolver na loja. Atravessaria a via-crúcis do constrangimento para aprender a lição.
Classe média era classe média. Não pagava pau para a riqueza. Tinha o orgulho do simples que se equiparava ao melhor. Tinha o orgulho de comprar só o possível e o necessário, de acordo com o seu salário. Não admitia ter sequer um lápis a mais, emprestado ou não.
Hoje é o contrário. Você possui um item de segunda mão e fica caladinho para ninguém perceber. Está com uma camiseta da NBA e tira a etiqueta para que não se descubra que a sua Chicago é China. Está com uma bolsa com as iniciais VH, mas não vai abrir em público para mostrar que o seu forro com a costura visível não é Victor Hugo.
E essa é a mais inofensiva das demonstrações de poder e de superioridade. A mais grave é se endividar para possuir um objeto dos sonhos inviável.
Acumulam-se pendências astronômicas no cartão de crédito, para fingir bonança. O limite da fatura não é o seu limite.
A aparência conta mais do que a autenticidade. Vive-se pela fachada, para simular um status incompatível com os ganhos. Há uma vergonha da situação material, uma negação da própria realidade.
A ânsia por transmitir a mensagem de prosperidade e fama para os amigos vem criando uma geração de deslumbrados. Existe dificuldade de quitar o débito da luz, mas o indivíduo sem noção parcela um iPhone 13 sem saber como vai honrar as prestações. Tudo para seguir a moda, para não ficar atrás de seus colegas nas festas e nas redes sociais.
Tornamo-nos presas fáceis da inveja e da competição.
Antes, éramos pessoas verdadeiras com produtos falsos. Atualmente, somos pessoas falsas com produtos verdadeiros.