Em qualquer restaurante a que eu vou, sento-me numa mesa manca. Sempre desfruto do infortúnio de me definir pela mesa manca entre dezenas de opções. Meu olho é treinado para o erro. Sou um ímã da vertigem.
A família já espera o meu sorteio, a manutenção do padrão de comportamento, e ri da minha maldição.
Não sei se é um aviso de Deus para indicar que venho desperdiçando uma brilhante vocação de marceneiro, se é um alerta para trocar o rumo das palavras pela madeira, se é um chamado da humildade para abrir uma oficina no fundo de casa e aplainar as farpas do cotidiano. Não sei se é um sinal veemente do destino ou um acaso absurdamente extraordinário.
A minha tábua da lei é viver no desequilíbrio durante as refeições, respirar fundo com a reincidência, conservar a calma e procurar dobrar um guardanapo grosso para fixar o móvel e não sentir que estou almoçando ou jantando no balanço de um barco. Luto contra a trepidação, o terremoto, sou um sismógrafo dos pratos e copos.
No último domingo, fui com amigos conferir um endereço de comida caseira. Estranhamente, a mesa não se encontrava bamba. Testei a retidão da tábua colocando o peso de ambas as mãos. Passou no autoexame do Inmetro: nenhuma inclinação. Será que eu havia chegado ao fim da minha sina? Será que viria um período de prosperidade e de firmeza na minha biografia?
Por curiosidade, espiei os pinos por baixo da toalha quadriculada. Não é que já existia um calço? Meu sorriso não atingiu todos os dentes.
Ou seja, eu continuava a optar pela mesa manca do salão. Não rompi a constância e a cartografia dos meus hábitos. Seguia sendo o mais azarado dos comensais. Só que era uma mesa operada, reabilitada, com cirurgia nos seus joelhos.
Eu levantei o calço por curiosidade, porque ele exibia uma cor incomum, espelhada, azulada, com alguma figura desenhada. Não parecia um mero papel ou papelão.
O calço correspondia a uma surpreendente nota de cem reais. Uma garoupa afogada no seco.
Quem pode esnobar e colocar como apoio uma nota de cem reais? Eu fiquei imaginando um magnata incomodado com o desnível, impaciente para pedir ajuda aos garçons e decidido a resolver o problema com uma cédula de tantas que recheavam a sua carteira. Largou ali como uma poupança renegada, sem juros do tempo. Legou o valioso suporte para o bem-estar dos próximos clientes. Não deve nem ter percebido o desfalque, não se agachou novamente para recuperar o seu dinheiro.
Óbvio que não iria levar a nota comigo. Tenho educação e princípios, não carrego o que não é meu. Não sou do time do “achado não é roubado”. Não enfiei no bolso, assobiando, para ninguém perceber. Não quero sofrer de culpa ou dormir de consciência pesada. Preciso dar o exemplo para os meus filhos.
Eu deixei a nota no restaurante. Ela me ajudou a pagar grande parte da conta.
E a mesa ficou manca para a minha próxima visita.