Primeiro, estupra-se o corpo. Depois, a alma e a reputação. Até não existir mais nada. A vergonha é um modo de calar futuras denúncias.
Vítimas de abuso e de assédio são ainda julgadas pela sociedade como se fossem culpadas pela agressão que sofreram, como se tivessem dado chance para o crime, como se tivessem facilitado o trauma.
O que aconteceu com a atriz Klara Castanho, de 21 anos, ultrapassou os limites da bestialidade.
Foi vítima de estupro, engravidou e decidiu entregar a criança para adoção, conforme todos os trâmites legais. Mas, mesmo assim, toda a sua dor não recebeu o respeito da privacidade, a empatia do sofrimento. Sua história veio a público por uma fofoca, por uma chantagem, porque, segundo relato da própria atriz, uma funcionária do grupo médico que a atendeu no parto teria “vendido” para um jornalista a notícia de que ela deu à luz. E o que testemunhamos, a partir desse momento de invasão, mostrou-se um mundo de sombras e de trevas.
Klara não teve como se defender pela segunda vez na vida. Atacaram a sua sensibilidade de novo. Agora estuprava-se a sua conduta. Seu passado, mais do que questionado, passou a ser devassado.
Algo que era de foro íntimo, que deveria se restringir a um segredo de Justiça ou, pelo menos, a uma escolha pessoal, acabou sendo vazado como uma informação exclusiva para sites.
Não há nada mais vil, mais baixo do que a chantagem. Não se trata apenas de burlar a lei com negociações escusas pelos bastidores, estamos diante de um caso de deboche a qualquer legislação protetiva.
A chantagem é a pior forma de manipulação. Pois quem a realiza vende a sua honestidade. Diz que a sua honestidade tem preço – porém ela deixa de ser uma virtude para se transformar num maldito vício, numa mercadoria. As tarjas nos corpos das mulheres violentadas viram códigos de barras.
A chantagem usa o constrangimento do outro para ganhar algum benefício. Transforma confidência em boato, condicionado a uma contrapartida para não ser revelado. É uma negociação suja, encardida, com leilão do silêncio. O silêncio é comprado.
Os chantagistas são os sequestradores de notícias. Não existe diferença nenhuma de bandidos. Mantêm a figura pública no cativeiro, valendo-se da curiosidade da plateia, de como o possível furo de reportagem comprometerá a sua carreira, e só devolvem a pessoa intacta com o recebimento de um resgate.
Urubus teriam mais compaixão, já que apenas avançam sobre mortos.