Para qualquer um dos quatro filhos que visita a minha mãe e vai dormir em sua casa, há irretocável e repetida cena no quarto: uma toalha e um sabonete em cima da cama.
São as suas boas-vindas, sua assinatura da delicadeza. A toalha branca é dobrada num formato de cisne que só ela ainda sabe fazer na família.
O origami de pano vem comprovar que ela se preparou para nos receber e nos aguarda muito antes de chegarmos.
Meus irmãos e eu nos sentimos desejados, como uma gravidez renovada a cada contato materno. Ela demonstra que nutre expectativa de nossa presença, que se dedica a vésperas com pequenos e inesquecíveis caprichos.
Mesmo com seus oitenta e três anos, a mãe não renuncia o que assimilou, durante a infância, das regras e da etiqueta de acolhimento no hotel de seu pai, o italiano naturalizado brasileiro Leonida Carpi, em Guaporé (RS).
Carpi recebia para o almoço trabalhadores e estudantes que vinham da capital para o interior no final de semana. Ônibus paravam no pomar da pousada, com a esperança de uma comida caseira feita na hora, preparada pela minha avó Elisa Margarida. Ela tinha o tino dos temperos, colhidos em sua horta, não errava o sal das panelas, lágrimas dos molhos, sendo capaz de comover os mais exigentes e experientes paladares e surpreender os próprios parentes já acostumados com as suas delícias.
Numa manhã gelada de junho, os passageiros que estavam indo para Carazinho desceram para a refeição do meio-dia, menos um, menos um estudante que ficou do lado da janela matando o tempo.
Carpi estranhou a imobilidade de vigília da figura introvertida e arredia, de sobrancelhas grossas. Foi lá conversar e tirar a limpo a origem do jejum.
— Por que não vem? Já almoçou?
O aluno, que voltava para a sua família depois da semana de aulas na Escola Técnica de Agricultura (ETA), de Viamão, explicou que não tinha dinheiro, gastara o que restava na passagem.
Carpi esbravejou:
— Desde quando isso é motivo? Nenhum estudante passa fome em Guaporé!
Pegou o jovem pelo braço e o levou para a cabeceira da mesa coletiva, colocou em sua frente um prato cheio de macarronada com molho caseiro de tomate e bifes na chapa. De penetra, ele se tornou o centro da gentileza do refeitório, servido com requintes de convidado de honra.
— Bom proveito, é por conta da cidade.
Aquele rapaz viria a ser, alguns anos depois, o governador do Estado: Leonel de Moura Brizola, responsável por alimentação em turno integral nas escolas, muito além das módicas merendas de manhã. A inspiração para grandes projetos sempre parte da própria necessidade.
Essa história real ilustra o quanto a honestidade não pode ser passiva, pois corresponde a dar atenção sem se prender à aparência. Os olhos são guiados pelos ouvidos, não o contrário.
Devemos tratar a todos sempre com respeito e igualdade. Nunca subestimar ninguém. Jamais esnobar uma presença, por mais discreta e silenciosa que seja. Jamais permitir que alguém seja invisível ao nosso lado, não importa quem é e de onde surgiu, não importa a função ou o cargo que exerce. Porque, se em algum momento você se achar melhor do que o outro, você que será invisível.
A vida é uma dança das cadeiras. Num dia, sentado; noutro, de pé. Aprenda o ritmo da cordialidade.