O Brasil amarga a impunidade do tempo parado. É como se não pudéssemos aprender com as dores e crimes do passado. E é só aprendendo que podemos mudar o nosso vil destino.
Hibernamos nos traumas, fazemos vista grossa à existência de matadores de aluguel, à queima de arquivos, ao sumiço de autoridades morais e intelectuais. Tanto faz se o mártir é brasileiro ou estrangeiro; a ganância não se preocupa com a comunidade internacional, o extermínio tampouco confere passaporte.
A impressão é que sempre estamos procurando restos mortais de um jornalista, ou de um indigenista, ou de um líder sindical. Talvez estejamos buscando eternamente os nossos restos, restos de um país profundamente insensível às suas causas ambientais.
Acordamos no mesmo dia para repetir as nossas mortes, jamais reencontrar a vida e a liberdade.
Seguimos emparedados na omissão, reconstituindo homicídios sem parar, sempre semelhantes, sempre com a exploração ilegal de nossas riquezas naturais como pano de fundo.
Se Chico Mendes estivesse vivo hoje, ele seria assassinado de novo na frente da esposa e dos dois filhos. Aquele 22 de dezembro de 1988 não acabou, parece que nunca vai acabar. Chico tombou por lutar contra o desmatamento dos grileiros de terras e por reivindicar melhores condições de trabalho aos seringueiros.
Se a missionária Dorothy Stang, conhecida como Irmã Dorothy, estivesse viva hoje, seria de novo brutalmente executada com seis tiros enquanto caminharia tranquilamente por uma estrada deserta. Nada a salvaria atualmente, assim como nada a salvou naquela manhã. Saber de tudo não nos previne. Ela sofreria idêntico pasmo de solidão diante da covardia. Aquele 12 de fevereiro de 2005 nunca acaba, parece que nunca vai acabar. Ela foi calada por ser incômoda, por perturbar a exploração escrava de mão de obra, por encampar a geração de renda e de emprego a partir de projetos de reflorestamento.
É Xapuri (Acre), é Anapu (Pará), é Vale do Javari (Amazonas). O lugar e o estado mudam, jamais a sina.
Chico Mendes e Irmã Dorothy são também o indigenista Bruno Araújo Pereira e o jornalista inglês Dom Phillips, mortos pela utopia ecológica, apagados pelo combate à pesca, à caça e ao garimpo ilegais, neutralizados por defender as reservas indígenas e o cumprimento óbvio da lei. Para se ter ideia do ódio envolvido e do sangue-frio da particular chacina, segundo o relato dos irmãos suspeitos, os corpos do jornalista e do ambientalista foram esquartejados, incinerados e enterrados numa vala comum.
Todos receberam ameaças de morte antes das emboscadas e não obtiveram nenhuma medida protetiva.
Ainda temos que escutar que eles não se cuidaram e entraram de modo inconsequente em áreas violentas e inseguras. É o equivalente a justificar um estupro pelas roupas mínimas e decotadas da vítima.
Além da Amazônia dilapidada, a floresta humana do bem vem sendo reduzida ao pó.