O maior risco no trânsito é a dúvida.
Quando um motorista dá a passagem para o outro, mas o outro também oferece a primazia de ir, e, no fim, ambos se movimentam ao mesmo tempo e acabam batendo os veículos.
Segundos são líquidos e temerários na estrada e os sinais humanos ao longe nem sempre são compreendidos.
Até a gentileza insegura pode gerar desacordos. No carro, não há espaço para a hesitação. Uma rápida indecisão comprometerá a sua paz de espírito pelo resto da vida.
Se está com um pouco de sono, não viaje. Se recém almoçou ou jantou, não cumpra longas distâncias. Rompantes de distração são fatais. Trânsito é seriedade. Trânsito é atenção plena. Trânsito é ser responsável, além da sua existência, por tantas mais ao seu redor.
Trânsito não é um ambiente para ter complacência consigo mesmo, ou para achismos, ou para superações, ou para oferecer descontos ao cansaço e à bebida.
Não há lugar que exija mais objetividade e consciência dos próprios limites.
Sete pessoas se despediram de seus sonhos na madrugada desta segunda-feira (4), após a colisão entre uma van e um caminhão na BR-386, em Constantina, no norte do nosso Estado.
É uma perda monstruosa de suar frio e de derramar lágrimas quentes. Toda a tripulação da van seguia em direção ao hospital de Tenente Portela. Ou seja, buscava cuidados médicos e sucumbiu no caminho.
Acredito que ambulâncias com pacientes deveriam ser poupadas de colisões. Precisariam receber uma proteção especial, uma bênção blindada do destino. Não há como aguentar paradoxal injustiça.
Dois homens, quatro mulheres e um bebê de dois meses acabaram vítimas do esgotamento físico de um motorista de caminhão, o único sobrevivente. Ele teria cochilado ao volante e avançado na pista contrária, numa curva com ultrapassagem proibida.
Eu fico imaginando os parentes acordando de manhã e esperando os resultados dos exames que não aconteceram.
Aguardavam receitas e tratamentos. Aguardavam boas notícias. Aguardavam recuperações. Aguardavam seus amores de volta.
Sete mortes absolutamente evitáveis sangraram Constantina e seus 10 mil habitantes. A ferida estará infinitamente visível na altura do km 111, próximo ao trevo para a entrada do município. É uma nova chaga aberta pela imprudência. Altar indesejado de uma saudade precoce e abrupta.