A maior consagração de um professor é quando ensina duas gerações familiares.
Ele tem a proeza de conhecer a infância e a adolescência dos pais e dos filhos. No seu currículo, pode dizer que formou um lar inteiro.
O que é um tanto estranho e ao mesmo tempo encantador: aquele professor testemunhou o desenvolvimento intelectual do pai ou da mãe jovem e, depois, de seus filhos também na mesma faixa etária. Deve se conter para não fazer comparações. Dispõe de informações privilegiadas do tempo. É quase uma onisciência da linhagem de uma alfabetização.
Na minha casa, por exemplo, minha filha Mariana e eu passamos pela sabedoria de Luís Augusto Fischer no curso de Letras da UFRGS. Desfrutamos de seu silêncio provocador, da sua humildade para ouvir contrapontos e de suas reflexões corajosas elevando a canção a um gênero literário. Ele ainda conquistou um adicional de intimidade caseira ao lecionar para a minha irmã Carla no colégio Anchieta.
Cada um guarda um Fischer diferente dentro de si, e um melhor do que o outro. Ficamos disputando elogios para o mestre.
Evoco também a lendária professora Diva, do colégio Cidade das Hortênsias (Coopec), em Canela. Ela não se aposenta. Não quer se aposentar. Porque a escola é onde ela se abastece de vida.
Até o ano passado, com 80 anos, dava aulas para o terceiro ano do Ensino Médio. Hoje é responsável pela biblioteca, mas segue sendo chamada para substituir e cobrir férias dos colegas. Ostenta sessenta anos de magistério. É uma disposição infindável de puxar assunto e recomeçar. Até os seus cinco filhos foram seus aplicados e devotados estudantes.
Todo mundo na cidade guarda cadernos com a sua caneta vermelha e letra caprichosamente emendada. Todo mundo se envaidece com o tradicional comentário de Diva no canto de uma prova: “Amei o que você escreveu”.
Através dela, o amor se infiltra decisivamente no ensino. Marcou famílias da região com a sua paciência carinhosa, incentivando na adversidade e oferecendo mais uma chance para o aluno com dificuldades demonstrar o seu valor. Priorizava as qualidades de cada estudante nas disciplinas de sociologia, filosofia, ética e história da arte. Os defeitos se apequenavam diante da sua esperança – e a esperança sempre perdoa, sempre enxerga adiante, sempre destaca o conjunto das ações e do esforço, jamais os problemas de modo isolado.
É natural Diva encontrar um senhor ou uma senhora na rua e desvendar, debaixo do rosto envelhecido, um menino ou uma menina que frequentou a sua sala. E vem do fundo da pessoa, como se o ontem fosse recente, aquela voz cândida, confiante, grata e imorredoura: “Sora!”
Diva é como as figuras pintadas pelo artista italiano Modigliani: seus olhos não aparecem porque são somente alma. São lousa e giz.
O mais surpreendente nessa história é que ela tomou a decisão de seguir carreira inspirada por um professor de sua juventude, Bruno Fischer, pai de Luís Augusto Fischer.