Dificilmente alguém vai me bater no presente do Dia dos Namorados. E não espere, só porque sou poeta, que tenha contratado uma orquestra, uma banda, preparado uma serenata na janela ou recorrido a um carro de som. Meu galanteio não tem trilha. Não é um caminho de rosas ou um quarto forrado de buquês. Muito menos será uma caixa de chocolate, aquela bem egoísta, que você espera ser aberta para comer mais do que a metade.
Não gastei as solas com o ônus de circular durante horas por shoppings, pescando uma novidade imperdível nas vitrines. Não sofri com a escolha de roupas ou de sapatos, homenagens tradicionais e também perigosas se você errar o número. Não me tornei cabide de bolsas no espelho, para descobrir a altura certa das alças. Não fingi ser um joalheiro com lupa analisando as etiquetas minúsculas de preços dos anéis, brincos e pulseiras. Na verdade, eu sequer saí de casa.
Não arrumei um lugar deserto numa praia paradisíaca, tampouco reservei uma mesa na janela do restaurante mais sofisticado. Sem agência de viagens, sem festas românticas privadas, sem esconderijos sensuais. Não usei discagem telefônica para tal empreitada. Não falei com ninguém.
Não fiquei prospectando dicas e a rodeando para descobrir por indiretas o que ela queria, não realizei enquetes com as amigas mais próximas, não tivemos perguntas telepáticas da minha parte e respostas evasivas da parte dela. Ela não foi obrigada a encenar uma falsa humildade: a de que poderia ser qualquer coisa. Não nos constrangemos. Não nos pressionamos. Não tocamos no assunto.
Mesmo assim, é um presente insuperável. Um presente insuspeito, desconhecido e raro. Duvido que você tenha mentalizado melhor ideia.
Eu apenas abri um envelope que chegou no início do mês. Violei a privacidade da correspondência de Beatriz – confesso. Não há grande presente sem um traço de desobediência civil.
Naquele momento, calculei os riscos: dependendo do bem proporcionado, ela não reclamaria do gesto invasivo. Até porque era para ser surpresa, e surpresa contada exala insegurança.
Inflado de confiança, segui com o plano. Meu trabalho consistiu em alguns cliques num aplicativo. A movimentação não durou três minutos.
Se ainda não adquiriu nada e sofre com a contagem regressiva da véspera da data, pode imitar o meu gesto com o seu par que calará fundo no coração. Eu partilho o copyright.
Não há erro. Será inesquecível. Será festejado durante o junho inteiro. Provocará um alívio imediato. Quase como zerar a vida. Quase como devolver a esperança para a pessoa. Você vai tirar metade das preocupações, das aflições do outro, resolver futuras insônias.
Talvez pareça um gesto frio e indiferente, inclusive pouco romântico, mas é uma medida terapêutica, catártica, como desbloquear o caminho de um trauma.
Encontrará o indulto a todas as vezes em que esqueceu a data de aniversário da relação. Os sogros não serão mais irritantes, o joystick se verá liberado na madrugada, alcançará um novo patamar de cumplicidade, selará um tempo de paz familiar.
O que fiz foi simplesmente pagar a fatura do cartão de crédito da esposa. E ela não acreditou. Nem eu.
Não que ela não pudesse pagar (é absolutamente independente e jamais precisou de mim), não que eu pudesse pagar (os recursos não constavam em meu planejamento), não que ela tenha gastado de mais ou de menos (desconheço a sua média mensal). Mas amor é ingovernável.