Não é fazendo o que o outro gosta que você manifesta amor.
No começo do namoro, há uma tendência para imitar o seu par, que causa um transtorno dissociativo de personalidade.
Se a sua paixão surfa, você passa a pegar ondas. Se a sua paixão adora trilha, você segue atrás pelas matas fechadas e desfiladeiros mais assombrosos. Se a sua paixão é DJ, já compra um mixer para aprender a manusear. Se a sua paixão é maratonista, sai a correr junto. Se a sua paixão é um ator, você se torna cadeira cativa na plateia.
É uma abdução louca e perigosa.
Sua motivação não deixa de ser nobre: demonstrar parceria. Apenas você pesa a mão e passa a oferecer total exclusividade. Confunde romance com carta branca, estando sempre disponível, absorvendo a rotina alheia e recusando a sua.
Não é capaz de dizer que não sente nenhuma vontade de experimentar ou que detesta algo da preferência do seu acompanhante.
Acha que qualquer negativa trará ruptura e enfraquecimento dos laços. Teme desagradar ou sacrificar momentos lado a lado.
Para conquistar atenção rapidamente e obter o título de "alma gêmea", busca, então, ser igual, como um filho pequeno copiando os pais.
Só que mergulha num processo infantil de simbiose, com efeitos nefastos a médio prazo. Depois será penoso desfazer mal-entendidos, falsas impressões e mentiras educadas feitas ao longo da aproximação para agradar.
Como explicar que jamais curtiu uma atividade após ter cansado de praticá-la? A reparação dói mais do que a prevenção.
Com uma vida emprestada, você apaga a sua identidade, aumenta a carência e a ansiedade, porta-se como refém da aprovação, enfraquece a sua solitude, esgota o seu tempo livre e se distancia de suas amizades e de seus próprios passatempos.
Não se arrisca a ser um contraponto saudável, para uma coexistência harmoniosa de adultos autônomos e escolados na singularidade das suas experiências.
Incorpora um modelo para forçar coincidências e afinidades. Não raciocina, unicamente aceita convites que não geram nenhum prazer.
O pretendente pode se apaixonar por você, mas ele se encontrará beijando o espelho. Não é você, vem jogando alpiste ao narcisismo.
"Como somos parecidos" não é uma confirmação de cumplicidade, porém um atestado de ausência de amor-próprio.
São as diferenças que produzem atração. Não haverá faísca se não existir antes atrito e choque entre pedras distintas.