Olhar nos olhos e captar as emoções de um entrevistado, observando o ambiente e o contexto nos quais ele está inserido, são recursos utilizados por repórteres habituados a exercitar parte de suas atividades fora da Redação Integrada.
Há três semanas, porém, a quase totalidade dos repórteres de ZH e GaúchaZH faz apurações sem sair de casa, sem aferir a “pressão arterial” das ruas. Trabalham em seus escritórios domésticos. Continuam extraindo o melhor de suas fontes, mas, agora, através de telefonemas, de mensagens de WhatsApp, de videochamadas ou pela troca de e-mails. Nesta Carta, conto desafios da reportagem em tempos de distanciamento social.
Em ZH há 22 anos, Larissa Roso gosta de conviver com fontes durante longos períodos. E assim garimpa preciosidades escondidas no cotidiano humano. Sem sair de casa, Larissa tem usado sua sensibilidade e perspicácia de outra forma.
– São muitos telefonemas, muitas tratativas, muitas trocas de mensagens, muitas explicações – conta Larissa, que é formada em Jornalismo pela PUCRS e mestre em Medicina pela UFRGS.
Como os profissionais da saúde são demandados em todas as frentes, entrevistas, que antes eram combinadas sem burocracia, demoram um dia inteiro para serem marcadas.
“É angustiante”, confidencia. Para controlar a ansiedade, ela usa um “remédio” poderoso:
– Subo e desço os 10 andares do meu prédio. Faço isso 10 vezes, em 43 minutos. É o meu ansiolítico.
Para compensar a distância, Larissa busca detalhes. Às vezes, avisa: “Tu podes achar essa pergunta maluca ou irrelevante, mas vais ver que, no texto, vai fazer sentido”. Durante a conversa, tenta imaginar cenários e faz questionamentos de acordo com a narrativa que desenvolve mentalmente em sua cabeça.
– Quando uma enfermeira com suspeita de covid-19 me disse que estava em isolamento, no quarto do casal, e que o filho ficava pedindo para ela abrir a porta, perguntei de que forma ela olhava para o filho. “Abrindo uma fresta na porta, quando me trazem a comida”, ela disse. “De máscara?”, prossegui. “De máscara”, ela respondeu. São dúvidas minhas, cujas respostas vão satisfazer a curiosidade de leitores – complementa Larissa, apaixonada pela escola americana de jornalismo, que preza detalhes à exaustão, apurações pormenorizadas e descrições minuciosas.
O repórter Marcelo Gonzatto, outro especialista em cavar boas histórias, especializou-se em “entrevistar” números da pandemia. Quase todas as reportagens baseadas em estatísticas e banco de dados públicos sobre o coronavírus, em ZH e GaúchaZH, são feitas por ele.
– Felizmente, sempre gostei de estatísticas, de séries temporais, de tentar entender o que os números dizem. Prestar atenção aos números se torna ainda mais importante porque são as fontes de informação mais confiáveis, seja para tomar decisões pessoais de como se proteger ou para subsidiar políticas públicas.
Em casa, Gonzatto pactuou uma nova rotina com os dois filhos:
– O meu compromisso é terminar tudo até as 18h para liberar o computador para os guris poderem jogar e fazer as tarefas do colégio. Principalmente para jogar – diz o bem-humorado Gonzatto.
Como a maioria dos nossos repórteres, evite sair na Páscoa. E fique bem.