No dia 29 de março, quando a Polícia Federal realizou operação para prender suspeitos de irregularidades no setor portuário, entre eles os sócios do Grupo Libra, um nome veio à mente do repórter Fábio Schaffner: Zuleika Borges Torrealba.
Mãe dos empresários do Grupo Libra, a octogenária Zuleika, que escapou da prisão porque está doente, é conhecida em Bagé.
No início dos anos 2000, ela começou a comprar terras e a investir em restaurante, pousada, centro cultural, genética de ponta. Tornou-se uma das figuras mais controversas do passado recente do município fronteiriço.
– Lembrei da gastança e do fausto das propriedades que ela mantinha na cidade – conta Fábio, que foi correspondente do Grupo RBS em Brasília por sete anos.
Com duas décadas como profissional, Fábio, nascido há 43 anos em Bagé, tem faro jornalístico incomum. Bastaram rápida pesquisa no Google e conversas, ao telefone, com amigos que conviveram com a matriarca da família controladora do Grupo Libra, um dos maiores operadores portuários e de logística para comércio exterior do país, para Fábio descobrir que Zuleika já não frequentava mais Bagé. Restava, porém, uma história saborosa e até agora oculta a ser contada.
– É uma mulher que não poupava esforços nem dinheiro para construir um universo particular em uma cidade de muita tradição no agronegócio – complementa Fábio, um dos textos mais elegantes da Redação.
Com apuração prévia realizada, ele e o repórter-fotográfico Jefferson Botega viajaram para Bagé. Em uma semana, entrevistaram cerca de 40 pessoas, a maioria sob condição de anonimato. E reconstituíram com riqueza de detalhes a trajetória de Zuleika na região da Campanha.
A reportagem é um primor. Reserve tempo para a leitura. Zuleika é um ser humano complexo. Contratava profissionais com salários acima dos de mercado. Comprou várias frações de terra ao redor de sua propriedade original e ergueu a Cabanha da Maya, nome inspirado em uma antiga cadela de estimação. Expandiu as atividades com vacas holandesas, touros com genética apurada e cavalos crioulos. Distribuía dinheiro para projetos sociais, financiava eventos culturais. Mas também era impiedosa com quem a desobedecia, irascível até com os mais chegados.
Embora tenha deixado um legado para a cidade, nunca foi unanimidade entre os pecuaristas locais. Alguns a definem como "uma mulher bajulada por interesseiros, explorada por desonestos e desprezada por invejosos". Outros a veem como "culta, empreendedora e generosa, capaz de resgatar uma Bagé que já não existia mais". Um dos entrevistados pelo perspicaz Fábio sintetizou da seguinte forma a personagem da principal reportagem do caderno DOC, amiga do presidente Michel Temer:
– Dona Zuleika gostava de animais e plantas. Gente, até por ali.