Desde que o Brasil foi eliminado da Copa, quando soubemos que ficaríamos até o fim da cobertura vivendo as emoções do Mundial e compartilhando esses momentos com vocês, tenho pensado em quantas histórias esse evento no mundo árabe tem para oferecer.
Exercitando o olhar do E.T., de alguém que chega ao planeta Terra pela primeira vez, tento ver absolutamente tudo, até as questões mais triviais, como novidade. Lugares, comportamentos, pessoas, o que cruza minha visão merece atenção redobrada. Assim, mesmo que os jogos estejam acabando, me sinto sempre desbravando a cidade e conectada à diferentes culturas do mundo através da movimentação que esse momento proporciona.
Boneca muçulmana
Como mãe de um filho de sete anos, em toda a loja que entro vou ao setor de brinquedos. Em Doha, entre as muitas bonecas com roupas multicoloridas, tem uma vestindo a abaya e o hijab. Representatividade da mulher muçulmana na brincadeira.
Descanso merecido
Seja na construção civil, na prestação de serviços ou na segurança, há muitos trabalhadores atuando em Doha. Existe, sim, o questionamento sobre a violação dos direitos humanos em postos de trabalho em condições análogas à escravidão. Um tema que acaba ficando distante e difícil de mostrar e comprovar, pois não conseguimos ter acesso a esses lugares.
Quem tem nacionalidade catari ganha um salário vitalício e tem direito a casa, saúde e educação, e nesse cenário trabalhar parece ser opção. Mas fato é que a maioria das pessoas que vive aqui trabalha bastante, muitas vezes no sol de mais de 40°C no deserto. E sem parar.
Nesse contexto, eu paralisei na calçada quando vi um jardineiro deitado ao sol conversando pelo telefone com alguém. "Love you" ("eu te amo"), repetia ele, alheio à alta temperatura e aos carros que passavam sem parar na avenida ao seu lado. Pelo tipo de contrato de trabalho, é muito comum que esses trabalhadores venham sozinhos, sem as famílias, buscar uma vida melhor em Doha. Fiquei imaginando o quanto ele ficaria feliz em poder entregar algumas das flores que havia aparado, e ainda estavam espalhadas pelo chão, para a pessoa amada.
Eu amo a África
Marrocos alcançou o feito histórico de ser o país africano a chegar mais longe em uma Copa do Mundo. A animação da torcida, o fato de ser uma zebra, o time pequeno superando o grande e também por ser uma nação predominantemente muçulmana, fizeram a seleção marroquina ganhar os corações da maioria dos torcedores que estão no Catar. Para mim acrescente-se a tudo isso o fato de eles serem da África, continente que merecia mais olhar, atenção e espaço na Copa.
— Daqui a quatro anos teremos nove seleções participantes — me disse o comunicador ganês George Adoo, orgulhoso.
Junto com o colega Tahiru Fentuo, viram a bandeira brasileira no nosso uniforme e puxaram uma conversa animada. Com o aumento do número de países na próxima edição, cresce a esperança deles de ter mais representatividade no Mundial.
A dupla trabalha na principal rede de TV e rádio de Gana. Eles disseram que sofreram muita com a eliminação do nosso Brasil.
— Somos irmãos — explicaram.
Que felicidade ter essa irmandade, pensei eu com sentimento de gratidão. Chegamos a trocar telefones antes de nos despedir. E eu segui pensando em quantos encontros lindos a Copa pode proporcionar.