Considerado um alimento versátil pelo valor nutritivo e por ser base da fabricação de outros como pães e massas, os ovos ganharam ainda mais espaço na mesa dos brasileiros com a perda do poder de compra, muitas vezes substituindo as carnes nas refeições. A maior procura e os custos de produção encareceram o produto, que deve seguir absorvendo ajustes de preço em 2023.
— Podemos ter uma diminuição da oferta e reajustes, mas nunca numa ordem que fuja da nossa plataforma comercial de atender a população com as proteínas alternativas. Acredito que vamos trabalhar com uma margem entre 5% e 10% no preço, podendo chegar no máximo a 15% no primeiro semestre. Mas não passa disso. Vai ter ajuste, mas não em largas proporções — adianta o presidente da Associação Gaúcha de Avicultura (Asgav), José Eduardo Santos.
A alta já vem sendo sentida no dia a dia e os consumidores têm preferido as feiras, onde o preço dos ovos costuma ser mais em conta. É o caso de Cíntia Carvalho, frequentadora da Feira Modelo das quintas-feiras na Praça Israel, no bairro Menino Deus, em Porto Alegre.
— Sou cliente há um tempo e dá uma boa diferença — garante Cíntia, que faz compras toda semana no local e normalmente leva uma dúzia para casa.
Os feirantes da banca, Nilton Bervig e Valdemir Maia, citam um aumento de preços na Páscoa do ano passado, época em que tradicionalmente ocorrem ajustes por um movimento natural da produção. Depois, o preço se estabilizou. A bandeja de ovos brancos e vermelhos (30 unidades) custa R$ 17,90 para os dois tipos. Já a dúzia sai por R$ 7,80. Não estão previstos aumentos por enquanto.
— Acredito que ainda se mantém o valor. Mas se o pessoal reduzir a produção e aumentar a procura, pode ser que suba alguma coisa — diz Bervig, que abastece a banca com ovos de granjas de Teutônia, no Vale do Taquari, e Salvador do Sul, no Vale do Caí.
Conforme o IBGE, a variação de preço dos ovos de galinha foi de 18,4% no acumulado de 2022 no país e de 18,7% na região metropolitana de Porto Alegre. Na Central de Abastecimento do Estado (Ceasa), a dúzia de ovos brancos era comercializada a R$ 4 em 25 de janeiro de 2022 e chegava a R$ 5,66 no dia 24 de janeiro deste ano, data da cotação mais recente disponível — alta de 41,5%.
As oscilações de preço vêm desde a pandemia, quando houveram altas devido à maior procura pelo item. No auge da crise sanitária, chegaram a faltar ovos nas prateleiras dos supermercados, mas a oferta logo foi estabilizada. Agora, outros movimentos sazonais e atrelados ao mercado interno e externo seguem pressionando o produto, explica Santos.
No mercado interno, o aumento do custo de produção é o que mais preocupa o setor. O milho, responsável por compor cerca de 70% da ração das aves, subiu mais de 100% em alguns locais, saindo de patamares de R$ 46 para R$ 95 a saca de 60kg. O preço do grão deve seguir alto em 2023 com a quarta estiagem seguida que se desenha no Estado e já leva a novas perdas nas lavouras.
A dificuldade interna reduziu a produção de ovos no ano passado, de 54 bilhões para 52 bilhões de unidades. Ainda assim, é expressiva e superior a 1,3 mil ovos por segundo, segundo a Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA).
Fora do Brasil, surtos de influenza aviária na Europa e nos Estados Unidos se alastraram pelos aviários, provocando a morte de milhões de aves. Somam-se ainda os efeitos da guerra entre Rússia e Ucrânia, que geram embargos e dificuldade de acordos comerciais entre países que se abasteciam de produtos desses locais. A falta de frango e a menor produção nos países mais afetados vai demandar aumento de exportações, inclusive do Brasil.
Demanda internacional
Com a escassez de ovos já observada em diversos países do mundo, é possível que o Brasil seja mais demandado no comércio internacional para esse produto. Apesar disso, não há risco de desabastecimento, garantem as entidades que representam o setor.
O presidente da Asgav diz que a indústria de ovos é considerada emergente se comparada à avicultura de corte, setor exportador consolidado que embarca quase 40% da sua produção. Mas vem a cada ano trilhando o mesmo caminho do mercado internacional, ainda que em proporção menor. No ano passado, o Rio Grande do Sul cresceu 38% em vendas, exportando quase 3 milhões de toneladas de ovos.
— Ajustes na oferta vamos ter, mas falta do produto é muito difícil. O Brasil é um potencial produtor e não vai deixar a população brasileira na mão. É importante que os consumidores em geral entendam que o setor vai ter que fazer algum reajuste, mas vai manter sua responsabilidade de atender a demanda interna e externa que vem aumentando consideravelmente — diz Santos.
A informação é reforçada pela ABPA. O presidente da entidade, Ricardo Santin, descarta o risco de desabastecimento de ovos no mercado interno para atender às exportações, mas sinaliza a mesma preocupação em relação ao preço. O motivo é o preço do milho, que seguirá alto.
— A produção teve uma pequena diminuição por abate de matrizes lá atrás quando começou a grande crise do milho e da pandemia. Mas mesmo com uma diminuição da produção, o Brasil ainda tem boa disponibilidade de produto, com média de consumo per capita acima da média mundial, de 240 ovos por habitante ao ano. Não é uma questão de oferta, e sim de preço do insumo — diz Santin.
Produção estabilizada em 2023
Conforme projeção da ABPA, a produção brasileira deve recuar para 51 bilhões de ovos em 2023. O consumo per capita deve ficar em 235 unidades. A queda é esperada diante da redução de aves poedeiras. Quando há diminuição de matrizes, os efeitos são sentidos até dois ou três anos à frente.
O presidente da Asgav, José Eduardo Santos, prefere ter cautela em relação à produção este ano:
— Como há todos esses cenários postos e já houve redução em detrimento do prejuízo que tivemos no ano passado, acho que vamos ter uma produção estabilizada como já aconteceu em 2022. Se houver algum revés, podemos trabalhar adequação para atender mais ainda a demanda externa.