Na reta final da colheita da soja, o produtor Artêmio Wagner ainda faz as contas do prejuízo que terá nesta safra. A estiagem derrubou a produtividade de suas lavouras em Lagoa dos Três Cantos, no norte do Rio Grande do Sul, para aproximadamente 20 sacas por hectare. Em condições normais, cada um dos seus cem hectares da oleaginosa atingiria média de 70 sacas. Wagner considera esta uma das piores safras que já vivenciou em quase 50 anos de trabalho na agricultura.
— As contas não vão fechar. Para cobrir os custos, seriam necessárias pelo menos 40 sacas por hectare. Será um ano muito difícil, vamos ter que cortar gastos e tentar renegociar as parcelas dos investimentos – projeta.
Relatos como o de Wagner se acumulam em diferentes regiões do Estado, castigadas pela falta de chuva e o excesso de calor durante o verão. Com mais de 70% dos grãos da estação colhidos atualmente, o Rio Grande do Sul deverá concluir nas próximas semanas uma das menores colheitas dos últimos anos.
A Federação das Cooperativas Agropecuárias do Estado (Fecoagro-RS) estima que a produção de soja deve chegar a 10,56 milhões de toneladas, quebra de 47,2% frente à expectativa inicial. Já o milho ficaria em 4,13 milhões de toneladas, queda de 30%. A projeção é similar à da Emater que, com base em dados coletados até 2 de abril, projeta que as perdas devem ultrapassar 40% na oleaginosa e 30% no cereal.
Levando em consideração os preços dos grãos na primeira semana de abril e o atual momento da colheita, o Estado deverá perder R$ 15,48 bilhões em valor bruto de produção (VBP), na estimativa da Fecoagro-RS. Ou seja, esse é o montante que deixaria de ser faturado dentro da porteira com a comercialização da soja e do milho.
— É riqueza que vai deixar de circular na compra de produtos e serviços. Isso tem um impacto muito forte, pois o produtor vai consumir menos — aponta Paulo Pires, presidente da Fecoagro-RS, entidade cujos associados respondem por metade da produção de soja do Estado.
Incluindo o arroz, que não foi prejudicado pelas condições climáticas, o VBP das três principais culturas gaúchas deve totalizar R$ 26,24 bilhões, tombo de 37,2% frente à colheita projetada no início do ciclo.
Impacto no PIB
Antes da estiagem, o Rio Grande do Sul tinha a expectativa de colher a maior safra de grãos da história. O diretor técnico da Emater, Alencar Rugeri, ressalta que agora a projeção indica a pior colheita desde 2012, ano em que o estado sofreu com a seca.
— Em quantidade produzida, a safra deste ano ainda deverá ser maior do que a de 2012. Mas 2020 é a pior safra da história do Estado, se pensarmos no que ela poderia ter sido. Com os preços valorizados que temos hoje nos grãos e colheita cheia, estaríamos dando risada com uma safra excepcional — constata Rugeri.
A quebra na safra deverá influenciar diretamente o desempenho do Produto Interno Bruto (PIB) do Rio Grande do Sul. Mesmo sem a pandemia de coronavírus, que deve levar o Brasil à recessão, o Estado já apresentaria tendência de queda no PIB em 2020 por causa do ano ruim na agricultura. Essa é a avaliação do economista-chefe da Federação da Agricultura no Estado, Antônio da Luz.
— Em 2005 e 2012, anos que o Brasil cresceu e houve estiagem no Rio Grande do Sul, o PIB gaúcho caiu. Neste ano, já deveria ocorrer isso — lembra Luz.
De acordo com dados do Departamento de Economia e Estatística (DEE), órgão do governo do Estado responsável pelo cálculo do PIB gaúcho, e do Instituto Brasileiro de Economia e Estatística (IBGE), em 2005 a economia gaúcha teve retração de 2,7% enquanto a brasileira cresceu 3,2%. Já em 2012, o Estado apresentou contração de 2,1% ao mesmo tempo em que o país acelerava 1,9%.
Em 2020, a pandemia intensificará o tombo da economia do Rio Grande do Sul. O governo do Estado já cogita queda de até 9% no PIB no cenário mais pessimista, em caso de paralisação das atividades por até cinco meses. No entanto, o economista do DEE Martinho Lazzari salienta que, no momento, ainda é difícil medir com exatidão quão negativo será o desempenho.
— A queda deve ser grande, mas as previsões ainda estão se adequando ao cenário. É difícil saber a extensão da crise neste momento, mas é possível esperar que os números do Estado sejam mais negativos do que os do país — aponta.
Lazzari constata que a agropecuária responde diretamente por cerca de 10% da economia gaúcha, o dobro em relação à economia brasileira. Com o impacto indireto nos serviços e na indústria, o peso da atividade é ainda maior no Estado.