As negociações envolvendo commodities agrícolas na bolsa de valores de São Paulo (B3) diminuíram de ritmo neste ano. Entre janeiro e outubro, conforme dados da B3, foram negociados 1,6 milhão de contratos de boi gordo, café arábica, milho e soja nos pregões, movimentando R$ 34,6 bilhões. A queda no volume de transações chega a 11% e em valor atinge 6% frente ao mesmo período do ano passado, quando foram registrados 1,8 milhão de contratos, totalizando R$ 36,7 bilhões. Apesar da retração nos contratos negociados, o indicador das posições abertas demonstra um começo de reação.
O mercado de commodities na bolsa de valores é utilizado por diferentes atores da cadeia produtiva, de agricultores a grandes tradings, como maneira de se proteger da alta ou da baixa dos preços. Ou seja, fazer o chamado hedge. As aplicações também atraem investidores sem relação direta com o agronegócio, que veem oportunidade para lucrar com a oscilação das cotações.
A soja é a commodity com maior queda no número de contratos negociados em 2019. Até outubro, foram firmadas 47 mil transações, redução de 47% frente às 89 mil de 2018. Especialista em hedge de empresas e sócia da Damke Consultoria, Berenice Damke avalia que o atraso no plantio da safra em diferentes regiões do país pode ter reduzido o interesse pela fixação prévia de preço, por conta da falta de clareza sobre o tamanho da próxima colheita. Além disso, Berenice lembra que o contrato da B3 é um espelho do negociado na Bolsa de Chicago, nos Estados Unidos.
– O contrato de soja acaba tendo pouca atratividade porque quem tem acesso a corretoras que operam fora do Brasil, via de regra, prefere fazer a operação diretamente por Chicago, porque tem mais liquidez – explica.
O sócio-diretor da CW Consultoria, Carlos Widonsck, constata que o mercado vem diminuindo como um todo nos últimos anos. Um dos reflexos está na situação do contrato de boi gordo, que até 2013 era o mais negociado na bolsa, e passou a sofrer contestações de pecuaristas e investidores. A alegação é de que a metodologia utilizada para balizar a cotação gerava distorções de até R$ 8 entre o mercado futuro e o físico. Como resposta, a B3 já anunciou que mudará o formato a partir de 2020.
Hoje, a commodity mais negociada na bolsa brasileira é o milho, que responde por 62% dos contratos. O grão vem sendo cada vez mais buscado nos últimos anos e atingiu ápice em 2018. Este ano, porém, há queda de 17% no volume de acordos.
Os contratos visam à proteção contra prejuízos ou receitas menores do que a desejada. Quando alguém se protege da variação financeira, fixa seu fluxo de caixa e garante equilíbrio financeiro.
BERENICE DAMKE
Especialista em hedge e sócia da Damke Consultoria
– A incerteza sobre se haveria queda ou não de safra nos Estados Unidos, o que influencia o mercado internacional, acabou gerando insegurança para o produtor nacional operar no mercado futuro – pondera Widonsck.
Contratos abertos indicam retomada
Enquanto os números gerais são de queda, o volume de contratos em aberto (aqueles que ainda não venceram) em outubro chegou a 187 mil, expansão de 82%. No mesmo mês de 2018, a quantidade de posições abertas era de 103 mil. Isso significa que há mais gente garantindo preços das commodities para os próximos meses.
A procura é puxada principalmente pelo boi gordo, que atualmente possui 101 mil contratos em aberto. O diretor-fundador da Scot Consultoria, Alcides Torres, explica que a crescente demanda chinesa por carne brasileira vem aumentando a cotação da arroba do bovino e estimulando produtores a buscarem proteção.
– Algum tempo atrás, o boi estava a R$ 150, R$ 160 a arroba. Agora já se consegue um preço futuro para o ano que vem em torno de R$ 200, o que é fabuloso. Com isso, passa a valer a pena fazer posição na bolsa de valores – argumenta.
A analista da Terra Investimentos Bianca Moura reforça que a habilitação de novos frigoríficos brasileiros para exportação traz boas perspectivas para o mercado futuro de commodities como boi e milho.
– Isso faz aumentar a demanda em um mercado que ainda tem muito potencial para crescer – avalia.
Na família Minozzo, produtora de milho e soja em Santiago, na região central do Estado, os contratos futuros de commodities começaram a ser utilizados há dois anos como um instrumento de fixação de preços. Atualmente, os Minozzo têm cerca de 90 acordos de milho abertos na B3, o que equivalente a mais de 40 mil sacas, visando à garantia de renda sobre a safra que será colhida nos próximos meses.
– Por conta dessa ferramenta de hedge, estamos aumentando nosso plantio de milho, pois temos mais segurança. Antes ficávamos à mercê do preço do mercado (físico) e às vezes perdíamos o melhor momento de vender a produção – conta Diego Minozzo, responsável por fazer as operações e comercializar a produção.
Além de operar com milho na bolsa brasileira, os Minozzo também realizam operações envolvendo contratos de dólar, estabelecendo previamente a cotação da moeda, e de soja na bolsa de Chicago.
Mercado ainda “na adolescência”
O mercado de commodities da bolsa de valores do Brasil ainda tem um largo caminho a percorrer até a consolidação. O gerente-executivo de commodities da B3, Louis Gourbin, afirma que o volume de negociação hoje é pequeno levando em consideração o tamanho da produção agropecuária do país. Para efeito de comparação, o valor bruto da produção agropecuária deve atingir R$ 603,4 bilhões em 2019, segundo o Ministério da Agricultura, valor 17 vezes superior ao volume movimentado pelos contratos fechados na bolsa até outubro.
– O mercado brasileiro saiu da infância e está na adolescência. Isso significa que está com tamanho interessante, mas se encontra em fase de descobertas, tem muita gente tentando entender como funciona. Ainda não está maduro – afirma Gourbin.
Atualmente, a maioria dos contratos futuros envolvendo commodities agropecuárias no mundo é realizada nas bolsas dos Estados Unidos. Em Chicago, são negociadas posições de soja, milho e trigo. Já em Nova York, é possível fechar acordos de café, açúcar e algodão, por exemplo.
Em um contexto de juros baixos (com a taxa Selic a 5% ao ano), é preciso ser cada vez mais eficiente na comercialização das commodities. O uso desses mecanismos vai deixar de ser uma opção para se tornar uma necessidade.
LOUIS GOURBIN
Gerente-executivo de commodities da B3
– Só em soja, o volume negociado em Chicago supera o tamanho da produção mundial – relata Carlos Cogo, diretor da consultoria Cogo Inteligência em Agronegócio.
Apesar de perceber o aumento de interesse pelo mercado futuro no Brasil, Cogo lembra que os contratos de fixação de preços acabam ficando restritos aos grandes players. Em países vizinhos, como Argentina e Uruguai, o analista nota que o hábito de operar futuros já está mais disseminado.
Como funciona o mercado
- Toda commodity na bolsa de valores é um derivativo, contrato que deriva de um ativo físico, como produtos agrícolas, ou financeiros, como ações de empresas ou taxas de juros.
- No caso das commodities agropecuárias, é possível negociar no mercado futuro e de opções. No futuro, o investidor se compromete a comprar ou vender o ativo por preço estipulado para data futura. Já a opção funciona como espécie de seguro, pois a negociação envolve o direito de compra ou venda do ativo em data futura. Esse direito pode ou não ser exercido.
- A liquidação dos contratos de derivativos agropecuários, com exceção do café, é financeira. Desta maneira, não é necessário produzir milho ou criar gado, por exemplo, para comprar ou vender posições envolvendo esses produtos.
- Qualquer pessoa pode investir no mercado de commodities na bolsa de valores brasileira. Basta ter cadastro em corretora ou banco que disponibilize esse tipo de produto. A lista está no site da B3. As transações ocorrem no ambiente de home broker, sistema que conecta o investidor ao pregão eletrônico.
- Produtores e empresas vinculadas ao agronegócio, por exemplo, podem utilizar os contratos pelo viés de hedge, fixando o preço da mercadoria antecipadamente e se protegendo de alta ou baixa da commodity. Há ainda a figura do especulador, que procura ganhar a partir da alta ou da baixa das cotações, e do arbitrador, que busca lucrar com as variações na diferença de preços entre dois ativos ou entre duas posições em um mesmo derivativo.
- Todo contrato tem duas pontas. Se por um lado, há um produtor ou investidor fazendo hedge contra variações futuras de cotação, de outro o especulador assume o risco. O especulador é quem gera liquidez ao mercado. Vale ressaltar que, no mercado financeiro, o termo especulação não tem nenhuma relação com manipulação.
- Na prática, antes de abater um boi ou colher a safra de grãos, o produtor (vendedor) e o investidor (comprador) estabelecem um preço hoje para o pagamento em data futura, conforme as especificações de cada commodity na bolsa. Se, no vencimento do acordo, o preço estiver abaixo do combinado, o produtor receberá a diferença até chegar ao montante previsto no contrato. Se a cotação estiver acima da fixada, é o investidor quem recebe esta diferença.
Fontes: Bianca Moura, analista da Terra Investimentos, Berenice Damke, sócia da Damke Consultoria, e Comissão de Valores Mobiliários (CVM)
Características dos contratos de commodities agrícolas
- Boi gordo – São negociados bovinos machos, com mais de 16 arrobas e idade máxima de 42 meses. Cada contrato tem 330 arrobas líquidas, com referência do preço da arroba líquida em reais. Considerando o dia 11 de novembro, o lote padrão sairia por R$ 63 mil, tendo como preço de referência R$ 191. Todo mês há vencimento de contrato.
- Café arábica – Hoje, é o único produto agrícola cujo contrato prevê liquidação física. Ou seja, o vendedor entrega efetivamente sacas de café após a data de vencimento. A B3 tem armazéns conveniados em Minas Gerais e São Paulo para entrega e retirada de grãos, além de laboratórios para classificar as condições do café e certificá-lo. Um contrato de café arábica do tipo 4/5 equivale a cem sacas de 60 quilos, com cotação em dólar. O lote padrão sairia por R$ 51,2 mil, tomando como base o preço de referência de R$ 123 e dólar fixado a R$ 4,15 consultados no dia 11. Há vencimento de contratos cinco vezes ao ano, nos meses de março, maio, julho, setembro e dezembro.
- Milho - Cada contrato corresponde a 450 sacas de 60 quilos de milho a granel, com cotação em cima do preço de cada saca em reais. Os contratos têm vencimento nos meses de janeiro, março, maio, julho, agosto, setembro e novembro. Um lote padrão sairia por R$ 19,5 mil, tendo como preço de referência da saca R$ 43,40, consultado no dia 11.
- Soja – O objeto de negociação é a soja em grão a granel voltada à exportação. Um contrato se refere a 450 sacas de 60 quilos, com a cotação em dólares.O produto é espelhado na bolsa de valores de Chicago, nos Estados Unidos. O lote padrão custaria R$ 37,7 mil, tendo como preço de referência R$ 83,90 e o dólar a R$ 4,15 consultados no dia 11. Os acordos têm vencimento nos meses de março, abril, maio, junho, julho, agosto, setembro e novembro.