A tradicional escolha da carne bovina no balcão, normalmente com ajuda do açougueiro, tornou-se uma cena pouco comum em supermercados de grandes cidades – onde a praticidade é um fator determinante para os consumidores. A mudança no hábito de compra é constatada no espaço cada vez maior ocupado por prateleiras de autoatendimento, repletas de produtos em porções de diversos tamanhos.
Ao desejo do cliente, soma-se a tendência de os estabelecimentos se distanciarem da manipulação da carne, afastando riscos de contaminação e concentrando os processos nos frigoríficos.
– Quanto menos manuseio de alimentos nos supermercados, melhor para todos. Para o varejo, que reduz custos com mão de obra, e para os consumidores, na praticidade e na relação de confiança nos produtos embalados pela indústria – avalia Antônio Cesa Longo, presidente da Associação Gaúcha de Supermercados (Agas).
Antigamente, a carne chegava aos supermercados somente em carcaças, obrigando os estabelecimentos a manterem salas de cortes para manipulação. Hoje, 70% da carne bovina vendida no autosserviço de Porto Alegre já é embalada – em bandejas porcionadas ou a vácuo. Somente 30% é comercializado em balcões de atendimento. No Interior, o percentual inverte-se, ainda com a preferência pelos tradicionais açougues.
– Mas é uma tendência que ganhará força nos municípios menores também, em pouco tempo – prevê Longo, citando que há uma década o produto embalado representava menos de 10% das vendas de carne bovina nos supermercados da Capital.
A migração do balcão de açougue para os expositores motivou investimentos da indústria. Há dois anos, o Frigorífico Silva, de Santa Maria, inaugurou uma das plantas mais modernas na América Latina voltada ao mercado de carne porcionada – aquela que vem em bandejas. Na unidade, toda automatizada com ajuda de robôs, são processadas cerca de 25 toneladas por dia do alimento moído, cubos, iscas e bifes – de cortes como coxão mole, alcatra e filé mignon.
– O toque humano é o menor possível. A grande vantagem é manter a qualidade da carne fresca, podendo ser consumida em até 15 dias – explica o diretor do frigorífico, Ivon Silva Junior.
Os produtos embalados em atmosfera modificada abastecem 15 redes de supermercados no Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo e Rio de Janeiro. Hoje, esta categoria já representa 15% do faturamento da empresa, que processa em torno de cem toneladas por dia.
– É um caminho sem volta, por questões higiênicas, otimização de processos e de praticidade de consumo. A demanda que se concentrava mais nas grandes redes de varejo começa a crescer nas pequenas também – relata Silva.
No Rio Grande do Sul, além do Frigorífico Silva, a unidade da Marfrig em Bagé, na Campanha, também investe em porções em embalagens. Segundo a empresa, o mercado ganhou força nos últimos 10 anos, quando as pessoas passaram a buscar mais praticidade na alimentação por conta da correria do dia a dia.
Em contrapartida ao crescimento, ainda há uma resistência na cultura do consumidor.
– O comprador gaúcho tradicional ainda prefere ver o corte sendo manuseado em vez de comprá-lo embalado. Mas o modelo é muito interessante e promissor, pois agrega valor ao produto na indústria – avalia Ronei Lauxen, presidente do Sindicato da Indústria de Carnes e Derivados do Rio Grande do Sul (Sicadergs).
Outro desafio para o crescimento deste segmento, segundo o dirigente, é o alto investimento necessário por parte dos frigoríficos:
– A tecnologia de embalagens com atmosfera modificada e os processos automatizados ainda são muito caros, o que acaba freando investimentos de indústrias menores – pondera Lauxen.
Aparência influencia na escolha da carne bovina
O crescimento do mercado de carne bovina porcionada está relacionado também à maior valorização da qualidade pelo consumidor – gerada pelo aumento da renda da população na última década.
– Embora a maioria da carne no Brasil ainda seja consumida como commodity, o produto com valor agregado vem ganhando espaço nos últimos anos – avalia o zootecnista Alex Lopes, analista da Scot Consultoria.
E a qualidade precisa estar associada à apresentação visual do produto – a começar pela embalagem.
– A carne porcionada tende a ser mais padronizada, em cortes prontos para o consumo, uma facilidade para as famílias com cada vez menos tempo – acrescenta o analista.
Maior processadora de proteína animal do Brasil, a JBS também vem apostando no mercado de carne fracionada, seja industrializada ou manipulada em açougues de grandes redes de supermercados. O Açougue Nota 10, programa da empresa voltado à capacitação dos estabelecimentos para oferecer o serviço, está presente em 700 pontos de venda com 140 técnicos – por enquanto, nenhum no Rio Grande do Sul.
– Enquanto algumas redes optaram por eliminar o açougue dentro dos supermercados, focando no autosserviço, outras preferem qualificar o serviço dentro de uma tendência de gourmetização do balcão de atendimento – relata Rodrigo Gagliardi, gerente-executivo de vendas da JBS Carnes.
De uma maneira ou outra, o objetivo é um só: tornar a carne bovina atrativa ao consumidor – na bandeja, a vácuo ou no açougue.
Os tipos de embalagens
A vácuo
Na embalagem a vácuo, é extraído o máximo possível de oxigênio. É justamente a ausência do elemento que causa a coloração escura do produto, que retoma a cor vermelha logo após ser colocado em contato com o ambiente natural. Conservada em boas condições, resfriada de 0°C a 7°C, a carne pode ser consumida em até 60 dias.
Atmosfera modificada (bandejas)
É extraído o ar atmosférico da bandeja, injetando uma mistura de gases (80% de oxigênio e 20% de dióxido de carbono), no momento do fechamento. O dióxido inibe o desenvolvimento de bactérias e o oxigênio mantém a coloração vermelha. Tanto a bandeja quanto o filtro plástico têm barreiras contra o ar atmosférico. Resfriada de 0°C a 7°C, a carne pode ser consumida em até 15 dias.
Carne in natura
Os cortes in natura (inteiros ou fracionados), resfriados de a 0°C a 7°C, podem ser consumidos em até três dias. Independentemente do processo – a vácuo, atmosfera modificada ou in natura –, a carne congelada pode ser consumida em até dois anos.