Horas depois de deflagrada, a maior operação da história da Polícia Federal colocou em xeque a qualidade dos produtos vendidos por gigantes do setor de carnes no país, apontou a participação de partidos políticos no esquema de corrupção, indicou o envolvimento de servidores públicos e deixou os consumidores sem saber o que fazer na hora de ir às compras. Com a informação de que selos de qualidade são carimbados em produtos adulterados, de que datas de validade foram modificadas e de que os órgãos de inspeção fechavam os olhos para questões de higiene e segurança alimentar, o receio frente aos produtos aumentou.
Especialistas na área afirmam, entretanto, que os selos de qualidade ainda são os melhores indicativos de segurança dos alimentos, e são eles que devem guiar os consumidores na hora de escolher a carne.
– Temos sistemas de inspeção muito seguros, que são reconhecidos internacionalmente pela rigidez. Neste caso, estamos diante de uma fraude, de um crime, que não desqualifica o sistema como um todo. As pessoas devem ter esse entendimento – explica Rodrigo Lorenzoni, presidente do Conselho Regional de Medicina Veterinária do Rio Grande do Sul (CRMV-RS).
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De acordo com o veterinário, os produtos de origem animal podem conter um dos três selos: o SIM, que é carimbo de inspeção municipal – e cujo selo permite que o produto circule só na cidade que forneceu a certificação –, o CISPOA, que é estadual e permite circulação somente no Estado que o concedeu; ou o SIF, que é do serviço de inspeção Federal, e que permite a comercialização dos produtos em todo território nacional e no Exterior.
– Esta é uma fraude localizada nas grandes empresas, então, naturalmente, são marcas que recebem o selo de inspeção Federal (SIF) que estão sob suspeita. O consumidor pode optar por comprar carnes com os outros selos, de produtos de circulação mais regional, cujas empresas não estão envolvidas nesta operação – explica Lorenzoni.
É o que defende também a diretora-executiva do Procon Municipal de Porto Alegre, Sophia Martini Vial. Para a especialista em direito do consumidor, enquanto os lotes de produtos fraudulentos não são divulgados, os consumidores devem seguir optando pelos produtos que contam com selos de qualidade.
– Estes produtos podem causar risco grave à saúde do consumidor, e por isso é preciso ficar de olho. O Procon municipal ainda não recebeu nenhuma reclamação de consumidores sobre efeitos colaterais após consumir esses alimentos, mas como envolve empresas de enorme representação no país, elas também estão muito presentes no mercado gaúcho – explica.
Além da certificação de qualidade concedida pelo órgão público, Lorenzoni recomenda que o consumidor fique atento a outras questões na hora de escolher o produto, como a cor da carne, a temperatura do local onde está armazenada e a qualidade do estabelecimento que comercializa os alimentos:
– A cor da carne é um indicativo de sua qualidade. Se ela está mais escura ou esverdeada, indica que está em processo de decomposição, ou seja, que já passou do período adequado para a comercialização. Na hora de comprar, é preciso ver também se o balcão onde está a carne é refrigerado, pois é o que conserva o produto.
O veterinário indica ainda que o consumidor verifique se o local onde compra a carne possui um veterinário como responsável técnico pela área de produtos de origem animal, pois é ele o responsável por controlar a qualidade do que chega no estabelecimento, assim como da correta conservação do mesmo.
Para consumidores que tiveram algum efeito colateral (infecção alimentar, dermatite, entre outros) pela ingestão dos alimentos das marcas envolvidas na operação – foram investigadas grandes empresas do setor, como a BRF Brasil, que controla marcas como Sadia e Perdigão, e também a JBS, que detém Friboi, Seara, Swift, entre outras marcas –, a recomendação de Sophia Vial é fazer o registro no Procon pessoalmente ou pela internet.
– A pessoa pode apenas informar sobre o ocorrido, o que ajudará nas investigações da Polícia Federal, pois será remetido à investigação, ou pode indicar que foi prejudicada e abrir um processo administrativo. Neste caso, o consumidor terá direito ao reembolso do valor do produto ou à troca por outro produto similar – explica.
Ainda de acordo com a especialista, o consumidor pode ainda demandar judicialmente a empresa, alegando dano moral ou material, em caso de despesas médicas, por exemplo. Para aqueles que se sentiram lesados por comprar produtos das marcas envolvidas, mesmo que não tenham consumido os produtos ou que tenham manifestado algum efeito colateral, a recomendação de Sophia é esperar a divulgação dos lotes. Se o produto fizer parte daqueles fraudulentos, o consumidor deve fazer o registro no Procon.
A OPERAÇÃO
Considerada a maior operação já realizada pela PF na história, cerca de 1,1 mil policiais federais cumprem 309 mandados judiciais, incluindo 27 de prisão preventiva, 11 de prisão temporária, 77 de condução coercitiva e 194 de busca e apreensão nas casas e nos locais de trabalho dos investigados.
Os mandados judiciais foram expedidos pela 4ª Vara da Justiça Federal de Curitiba e são cumpridos no Rio Grande do Sul, Distrito Federal, Paraná, em Santa Catarina, São Paulo, Minas Gerais e Goiás.
Diretores e donos das empresas estariam envolvidos diretamente nas fraudes, que contavam com a ajuda de servidores do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), no Paraná, Goiás e Minas Gerais, que facilitavam a produção de produtos adulterados, emitindo certificados sanitários sem fiscalização.
Através de monitoramento telefônico, a PF descobriu que os servidores envolvidos pediram benefícios de todos os tipos: desde propinas em dinheiro, como pagamento de R$ 300 mil para campanha eleitoral, até pedidos de caixas de carnes, frango, pizzas, ração para animais e embutidos, além também de favores, como a obtenção gratuita de botas e roupas de trabalho, apoio para familiar fazer teste em escola de futebol e viagens.
"Dedo", "luva" e "documento" eram alguns dos termos usados pelos fiscais agropecuários para o pedido de propina.
A investigação apontou que, inclusive, um executivo da BRF tinha acesso ao login e à senha do sistema de processos administrativos do Mapa, que é de uso exclusivo dos servidores.