Eventos extremos têm sido comuns na Amazônia: seca histórica em 2023, recordes de incêndios neste ano, previsão de estiagem para os próximos meses. A situação preocupa, pois a floresta é importante para a estabilidade climática do planeta, além de influenciar nos biomas e na chuva do continente.
Para especialistas consultados por Zero Hora, o problema é multifatorial e envolve desmatamento, mudanças climáticas e o ciclo natural do ambiente.
Para Karina Bruno Lima, doutoranda em Climatologia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e divulgadora científica, a ocorrência da seca histórica está em parte relacionada ao El Niño – o aquecimento atípico do Oceano Pacífico equatorial.
— O fenômeno tem a tendência a contribuir para períodos de seca nas regiões Norte e Nordeste e causar mais chuva no Sul. O Atlântico Norte com água muito aquecida também influenciou. Em 2024, a seca na Amazônia pode ser ainda pior do que no ano passado — afirma.
O governo do Amazonas, por exemplo, já trabalha com a possibilidade de que o Estado viverá um novo período de estiagem no segundo semestre.
Karina argumenta que o El Niño não é o único responsável pela crise na floresta. Ela cita um trabalho feito por pesquisadores de diversos países: para eles, as mudanças climáticas tiveram mais peso na estiagem de 2023.
— A floresta abriga grande biodiversidade e desempenha um papel fundamental na regulação do clima, sendo importante para o regime de chuva em boa parte do país, incluindo o Rio Grande do Sul. Está tudo conectado — acrescenta.
Secas mais comuns
O climatologista Carlos Nobre, doutor em meteorologia pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT), nos Estados Unidos, afirma que a Amazônia é um ator importante para frear a disparada da temperatura na Terra, que convive com quebra de recordes de aquecimento desde o ano passado.
— A Amazônia armazena de 150 a 200 bilhões de toneladas de carbono. Se perdemos a floresta, esse carbono vai para a atmosfera como gás de efeito estufa, o que faria o clima ficar muito mais quente no planeta — explica.
O professor cita que a floresta é a responsável pelos chamados rios voadores, massas de ar carregadas de vapor d'água movidas pelo vento. Essas correntes invisíveis carregam a umidade da Bacia Amazônica para o centro-oeste, sudeste e sul do Brasil, o que faz o fenômeno ser fundamental para o sistema hidrológico (veja como funciona no infográfico abaixo).
Segundo Nobre, a falta de chuva na região amazônica é um fenômeno recorrente, em especial quando há El Niño; a novidade do contexto é a frequência dos registros:
— Uma seca forte ocorria a cada 20 anos, mas tivemos quatro delas nesse intervalo: em 2005, 2010, 2015, 2016 e 2023/2024. Isso se deve ao aquecimento global, que faz com que os fenômenos que existem há milhões de anos batam todos os recordes.
Desmatar acelera mudanças climáticas
Para Luciana Gatti, coordenadora do Laboratório de Gases de Efeito Estufa do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), a compreensão do momento da floresta não deve considerar apenas eventos climáticos como El Niño, e sim analisar a trajetória da região nas últimas cinco décadas. Para ela, o problema tem origem na redução do território amazônico.
— O desmatamento representa menos chuva, aumento de temperatura e emissão de gás de efeito estufa. Florestas são proteções contra as mudanças climáticas; ao desmatá-las, estamos acelerando os eventos extremos no Brasil — pontua.
Dados do Inpe indicam que o Brasil registrou 13.489 focos de incêndio na Amazônia no primeiro semestre de 2024, resultado 61,6% maior na comparação com o mesmo período do ano anterior, como mostra o infográfico abaixo:
O Pantanal é outro bioma afetado em 2024: o Inpe reportou 3.538 focos de queimadas nos seis primeiros meses, aumento superior a 2.000% na comparação ao mesmo período de 2023. Segundo Luciana, os incêndios nos dois ambientes são causados por razões climáticas e ação humana.
— A Amazônia está ficando inflamável, e isso ocorre principalmente nas áreas mais desmatadas, que ficam no lado leste e sul. Pará, Mato Grosso, Rondônia e Acre formam um cinturão com menos chuva e temperatura mais alta. Há também o crime ambiental, grilagem e o avanço da soja na floresta — cita a estudiosa.