As elevadas temperaturas e a seca na região da Amazônia têm causado impactos significativos na vida de um dos seus habitantes mais icônicos, o boto-cor-de-rosa. Até a sexta-feira (29), foram registradas pelo menos 110 mortes de animais em uma semana no Lago Tefé, localizado no estado do Amazonas. As informações são do portal g1.
Além dos botos-cor-de-rosa, essa estatística também engloba os tucuxis, outra espécie de golfinho de água doce. Esses dados foram fornecidos pelo Grupo de Pesquisa em Mamíferos Aquáticos Amazônicos, vinculado ao Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá.
A origem das mortes ainda não foi esclarecida, entretanto, elas estão acontecendo em um contexto de estiagem extrema na área, que também resultou na mortalidade de peixes no lago. De acordo com os cientistas do Instituto Mamirauá, análises realizadas nas águas do Lago Tefé indicam que a temperatura atingiu 40°C em uma profundidade de três metros. Anteriormente, a média histórica mais elevada era de 32°C.
— É uma coisa inédita, nunca teve morte de botos assim relacionada com temperatura — afirmou Miriam Marmontel, líder dos pesquisadores do Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá.
Conforme Miriam relata, especialistas no assunto cunharam uma sigla para descrever esse fenômeno que vem sendo cada vez mais adotada: UME, que representa "Unusual Mortality Event," ou, em tradução livre, "Evento de Mortalidade Incomum."
O último levantamento da população dessas criaturas, realizado há alguns anos, aponta que existem aproximadamente entre 800 e 900 botos e cerca de 500 tucuxis na região. Isso significa que o atual número de mortes é extraordinariamente alto, considerando que essas são espécies de reprodução lenta. Se essa situação persistir, essas espécies podem chegar a um ponto crítico a partir do qual as mudanças se tornarão irreversíveis.
— Se continuar assim, vão entrar em estado de perigo — completou a pesquisadora.
Mortes misteriosas
Inicialmente, os cientistas notaram que a maioria dos animais afetados eram fêmeas e filhotes de botos. No entanto, com o decorrer do tempo, surgiram também machos e tucuxis, o que gerou perplexidade entre os pesquisadores.
— Foi uma surpresa, porque tucuxis são uma espécie mais frágil e eles morreram só depois. Agora não tem mais lógica — destacou Miriam.
Conforme afirmou a pesquisadora, a necropsia dos animais não revelou qualquer evidência que pudesse indicar a causa das mortes. Os animais aparentavam estar em boa saúde, não apresentando sinais de captura em redes de pesca, lesões ou problemas de peso.
A principal suposição é que o aumento da temperatura da água tenha propiciado a disseminação de algum patógeno, resultando no adoecimento dos animais. Miriam também sugere que é possível que ocorra dano neurológico, já que os botos e tucuxis que foram observados ainda com vida estão exibindo comportamento anormal e demonstram confusão.
No período entre este sábado (30) e domingo (1°), equipes de diferentes Estados se deslocarão até o Amazonas para coletar amostras e prestar assistência aos espécimes do lago. Essa ação visa resgatar os animais remanescentes, uma vez que a causa subjacente do problema ainda não foi esclarecida.
— O primeiro esforço é retirar os corpos dos animais mortos da água, mas com o grande número de animais mortos se tornou impossível. O translado dos botos vivos para outros rios não é seguro, pois além da qualidade da água é preciso verificar se há alguma toxina ou vírus. Estamos mobilizando parceiros para coleta e análise e outras instituições que possuem expertise em resgate de animais — ressaltou André Coelho do Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá.
Seca na Amazônia
A seca na Amazônia resulta da interação de dois fenômenos: o El Niño e o aumento da temperatura das águas do oceano Atlântico Tropical Norte.
Conforme Gilvan Sampaio, que atua como coordenador-geral de Ciências da Terra no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), a área mais impactada pelo Atlântico Tropical Norte é o sudoeste da Amazônia, especificamente na bacia do Rio Madeira. Imagens de satélite ilustram a diferença entre o período prévio e posterior à estiagem em outras duas áreas fortemente afetadas: o Lago Tefé e o Rio Juruá.
A situação é particularmente preocupante no caso do Rio Juruá, uma vez que ele é conhecido por ser o rio mais sinuoso do mundo, tendo sua nascente no Peru e percorrendo os estados do Acre e do Amazonas.
— Ele tem um histórico de problemas de navegação. Existem muitas cidades que estão em estado de emergência por causa dele — explica Virgílio Viana, superintendente geral da Fundação Amazônia Sustentável (FAS).
Ao longo do mês de setembro o Rio Negro registrou uma redução no seu nível de água de mais de 30 centímetros consecutivos, conforme apontado pelas medições realizadas pelo Porto de Manaus.
De acordo com o boletim de Monitoramento Hidrometeorológico da Amazônia Ocidental divulgado pelo Serviço Geológico do Brasil em 22 de setembro, os níveis do rio estão situados abaixo da média esperada para esta época do ano.
Paralelamente, o Rio Solimões mantém sua tendência de redução no nível da água e atingiu a segunda maior vazante já documentada para esta estação, marcando -43cm em 21 de setembro. Esse valor também se encontra abaixo do padrão considerado usual para este período.