O que seria do Brasil se a internet parasse de funcionar por algumas horas? Ou uma falha na rede de energia elétrica deixasse uma grande cidade às escuras? E se satélites de GPS fossem danificados devido à atividade solar? Evitar cenários assim é um dos objetivos de quem estuda o clima espacial, uma área que pesquisa as condições do espaço próximo à Terra.
— A previsão do tempo, que estamos acostumados a ver na TV e internet, diz se vai chover, qual será a temperatura máxima ou mínima. O clima espacial trata das condições da alta atmosfera, do espaço e do Sol. É como se fosse a meteorologia do espaço — resume Alisson Dal Lago, doutor em geofísica espacial e pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
O monitoramento é feito em todo o mundo por meio de parcerias entre países. O Rio Grande do Sul tem um dos centros mais importantes para captura de dados na área no país, em São Martinho da Serra, no Centro (veja no fim da reportagem).
Atenção ao Sol
O estudo do clima espacial ocorre com a detecção de partículas que chegam à Terra; o Sol é a principal fonte de interesse de pesquisa. Há, porém, diferenças no comparativo à meteorologia, que antecipa em dias como será o tempo em uma localidade; o comportamento no espaço é menos constante, segundo o pesquisador do Inpe:
— O Sol tem uma variabilidade natural, que chamamos de ciclo solar de 11 anos e está relacionado à quantidade de manchas solares. Quando estamos em um período de máxima atividade, existem mais manchas e explosões; nos momentos mínimos, ocorre o contrário. No entanto, houve períodos em que o ciclo não ocorreu e não sabemos o porquê.
O ciclo solar começou a ser monitorado em 1775 e o que vivemos em 2024 é o 25º – começou em 2019 e seguirá até 2030. Um relatório do Administração Oceânica e Atmosférica Nacional (NOAA, na sigla em inglês) estimava o pico da atividade para 2025, mas a previsão revisada coloca o ápice entre janeiro e outubro deste ano. Além de se manifestar mais cedo e ser mais forte, o máximo solar vai durar mais tempo, segundo a agência.
Por que o clima espacial é importante
Há cientistas que esperam um "apocalipse na internet" nos próximos anos, por conta da atividade solar. Em função de uma tempestade com origem no Sol, satélites Starlink caíram em 2023, segundo o jornal The New York Times. No mesmo ano, uma explosão na estrela deixou parte do planeta sem comunicação por rádio.
— Há sensores em satélites que podem estragar ou queimar se forem bombardeados por partículas de alta energia devido à elevação de correntes elétricas induzidas nos sensores eletrônicos. É um problema, pois é uma rede essencial para a transmissão de dados para a internet e telecomunicações — acrescenta Dal Lago.
Os resultados dos experimentos ficam disponíveis na internet, como é o caso do Brasil no site do Inpe e dos Estados Unidos, na página da NOAA.
Como é feito o monitoramento no RS
A pesquisa da área no Brasil é feita pelo programa Estudo e Monitoramento Brasileiro de Clima Espacial (Embrace), do Inpe. A troca de informações e compartilhamento de espaços é comum na área.
A entrada do Observatório Espacial do Sul (OES), em São Martinho da Serra, mostra isso: há bandeiras da China, Argentina, Uruguai, Paraguai, Japão, Chile, parceiros em pesquisas. O centro, localizado a cerca de 60 quilômetros de Santa Maria, é um dos 12 locais do tipo no país e o único no Estado.
A estrutura foi feita na década de 1990 e faz observações por meio de antenas, sensores e câmeras. A escolha do lugar não foi ao acaso: a América do Sul está localizada na Anomalia Magnética da América do Sul (AMAS).
— O campo magnético da Terra é mais fraco aqui do que em outras regiões do planeta. Isso quer dizer que é mais propenso à entrada de partículas de alta energia – elétrons, prótons e os múons – vindas do Sol, que são monitoradas nos experimentos — explica José Valentin Bageston, responsável pelo observatório e pesquisador do Inpe.
O centro tem um magnetômetro, instrumento usado para medir o campo magnético da Terra que auxilia no estudo da intensidade e direção de tempestades solares. Há também duas câmeras ópticas que são utilizadas à noite – uma delas é mantida em parceria com a China.
— São equipamentos que fazem a observação do céu para estudar fenômenos físicos de interesse de telecomunicações que ocorrem na ionosfera. Conseguimos monitorar direção e velocidade de propagação de ondas nessa região, que interferem de forma direta e indireta nos de sinais de rádio e GPS na Terra — acrescenta Bageston.
O principal instrumento do laboratório é o detector de múons – uma partícula que se forma com a interação de raios cósmicos na atmosfera terrestre. O equipamento em solo gaúcho faz parte de uma rede global com o Japão, Austrália e Kuwait.
— Os raios cósmicos são parcialmente “varridos” pelas nuvens de gás que o Sol emite. Quando essas perturbações solares chegam próximas à Terra, observamos uma diminuição nas contagens dos múons no detector. A partícula serve como um radar indireto para identificar a chegada dessas nuvens emitidas pelo Sol — explica Alisson Dal Lago, pesquisador do Inpe.
Outro equipamento que ajuda a humanidade a monitorar o clima espacial está no Bate-Papo Astronômico, um projeto social de Santa Maria. A iniciativa tem equipamentos para o estudo de meteoros, raios e do tempo na Terra (meteorologia). Desde 2023, o espaço abriga uma estação de clima espacial, em parceria com a Universidade do Texas em Dallas (UTD), nos Estados Unidos.
O dispositivo estuda a ionosfera, uma região da atmosfera terrestre localizada entre 60 e mil quilômetros de altura. Segundo Fabiano Rodrigues, responsável pelo equipamento, o trabalho monitora as chamadas bolhas ionosféricas, um fenômeno que interfere em tecnologias importantes para a sociedade.
— Sistemas de comunicação, sensoriamento remoto e de navegação utilizam sinais de rádio que se propagam através da ionosfera. Estudos são importantes para entender os efeitos da região nos sinais e impacto nos sistemas. As bolhas ionosféricas podem causar cintilação e dificuldades no posicionamento de satélites — resume o professor.
Os pesquisadores desenvolveram um sensor chamado de ScintPi, usado em estudos nas áreas de ciência, tecnologia, engenharia e matemática. Outros monitores estão instalados no Brasil (São Paulo e Paraíba), nos Estados Unidos, Porto Rico, Peru, Costa Rica, Honduras, África do Sul e Islândia.
— Eventos ionosféricos distintos são observados em partes diferentes do planeta. Na Islândia, queremos observar fenômenos associados à aurora boreal. No Brasil, estamos interessados nas bolhas ionosféricas que causam as perturbações mais drásticas e as cintilações mais intensas do mundo. É importante estudar essa região, pois os processos físicos que controlam a variabilidade da ionosfera não são completamente entendidos — finaliza o professor.