Pedro Loos, 27 anos, é o criador do canal Ciência Todo Dia, que tem 4,7 milhões de inscritos no YouTube. Natural de Brusque (SC), o divulgador científico cria conteúdos e apresenta vídeos em áreas como física, astronomia e tecnologia. Em 2023, ele completou 10 anos de canal. Nesse período, foram mais de 900 vídeos publicados, que alcançaram 781 milhões de visualizações até o dia de publicação desta entrevista. O catarinense cursou Física na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), mas não concluiu a graduação para se dedicar à produção de conteúdos sobre ciência. A equipe do canal conta com dois pós-graduados em Física, um jornalista e quatro editores de vídeos. Além do Ciência Todo Dia, Loos participa do podcast Sinapse, também sobre ciência, e produz conteúdos no Instagram e TikTok.
Os vídeos com temas da física são alguns dos mais vistos do seu canal. Em contrapartida, Física é um curso com poucos interessados na graduação e faltam professores formados nas escolas. O ensino tradicional tem desestimulado os que gostam da área?
Os professores estão em uma desvantagem enorme ao competir com vídeos curtos e redes sociais. É difícil transformar conteúdos densos em algo interessante e palatável para os alunos aprenderem em uma hora de aula. Além disso, vejo que muitos professores, principalmente de Ensino Fundamental e Médio, estão presos a uma grade curricular que não necessariamente está calibrada para a época em que vivemos. Praticamente todas as matérias, sobretudo as exatas, são ensinadas hoje como eram na década 1980. Penso que isso tem feito cada vez menos as pessoas se interessarem por esses assuntos. Há também a questão do salário do professor, que não condiz com a função que ele representa perante a sociedade. Além disso, muitas escolas não têm uma estrutura mínima para o ensino de Física, como telas, computadores e acesso à internet. É uma somatória de fatores, que torna o desinteresse algo complexo.
Qual foi a origem do seu interesse em ciência?
Meus pais contam que eu era uma criança bastante curiosa, que sempre fazia perguntas e tentava entender como as coisas funcionavam. Esse interesse também veio do meu pai, que sabia mexer com circuitos eletrônicos e me ensinou sobre isso. Ele entendia também da parte mecânica, movimento de peças, de automobilismo; mesmo sem nenhuma formação, meu pai tinha bastante conhecimento sobre as coisas ao redor dele. Aos seis anos, ganhei um livro sobre astronomia para crianças que me fez ficar fascinado. Meu pai também assistia a muitos documentários sobre ciência, com assuntos como a corrida espacial, o universo e a astronomia. Cresci sendo moldado por esses interesses.
Por que o Ciência Todo Dia foi criado?
Começou no Terceirão (último ano do Ensino Médio), em julho de 2013. Na época, eu me sentia pressionado por conta do vestibular, para estudar, performar, acertar mais questões. Uma das maneiras que encontrei para escapar dessa pressão foi sentir que eu estava ajudando meus colegas em algumas coisas que eu sabia. Eu consumia muitos conteúdos do YouTube e acompanhava canais estrangeiros de divulgação científica. Notei que meus amigos que não falavam inglês não tinham acesso a esse tipo de conteúdo, era uma barreira linguística clara que limitava o acesso ao conhecimento. Vi nisso uma oportunidade de juntar o que eu notava como minha vocação – explicar e descomplicar coisas – e ajudar os outros.
Você iniciou a graduação de Física com qual objetivo?
Estava pensando bastante sobre astronomia naquela época. Havia um laboratório muito legal de astrofísica na UFSC, mas me interessava muito por cosmologia. Entrei com a pretensão de seguir carreira acadêmica – fazer mestrado e doutorado –, quem sabe conseguir estudar fora ou dar aula no Exterior. Mas eu tinha também uma vontade, ambição, de que o YouTube desse certo, embora não fosse uma realidade naquele momento. Então continuei o plano inicial que era seguir carreira acadêmica. Nesse período, o canal cresceu, comecei a me sustentar através dele e vi que poderia ser o meu futuro profissional.
Mas você decidiu não concluir a graduação. Por quê?
Pausei faltando três semestres para a minha formatura. Foi uma decisão que considero como uma das mais difíceis da minha carreira. Muitas pessoas ficam espantadas quando descobrem que não sou formado em Física. O canal começou a demandar muito tempo, comecei a trabalhar 40, 50 horas por semana nele. É muito difícil separar a parte profissional da pessoal. Foi na época em que eu estava nos semestres mais difíceis da faculdade de Física. No começo da carreira no YouTube, viajar para eventos é importante para o crescimento do canal e também para se desenvolver como criador de conteúdo. Chegou um momento em que eu não tinha mais tempo para fazer as duas coisas bem feitas. Então decidi seguir com o canal. Vi um propósito maior na minha vida ao fazer vídeos sobre ciência, em popularizar esse assunto no YouTube. Em algum momento da minha vida, no futuro, vou retomar a graduação.
Muitos professores, sobretudo de Ensino Fundamental e Médio, estão presos a uma grade curricular que não necessariamente está calibrada para a época em que vivemos. Praticamente todas as matérias, sobretudo as exatas, são ensinadas hoje como eram na década 1980.
O que é mais positivo na carreira de um divulgador científico?
Impactar pessoas em um nível que não há como conceber. Dificilmente vejo quem acompanha o meu trabalho. Fico feliz quando saio na rua e uma pessoa que não conheço me fala que os vídeos foram uma influência para ela estudar ou que serviram para ajudá-la no vestibular. Há muitos que dizem que o canal ajudou a melhorar a vida deles em uma época na qual não estavam bem por algum motivo. É um impacto genuíno.
O que há de negativo ou de difícil na divulgação de ciência?
Nunca estive envolvido em nada que me atingisse negativamente a partir desse ofício. Claro que, conforme o canal tem mais exposição, mais pessoas acham motivos para criticar o trabalho, mas isso faz parte. Também noto que, por vezes, a comunidade de acadêmicos é um pouco dividida. Ainda existe um certo estigma entre quem faz divulgação científica e quem produz ciência, que, via de regra, não são as mesmas pessoas. Essa é uma parte difícil do trabalho, contra a qual é preciso lutar diariamente. A divulgação científica tem ganhado força porque as novas gerações cresceram com esse tipo de vídeo, que desperta um interesse grande nesse público. Isso também facilita a carreira.
Criar conteúdo sobre ciência pode, em alguns pontos, desagradar movimentos anticientíficos e preceitos religiosos. Isso não chega para você?
Minha postura de divulgação científica é a de evitar embates. Acho que religião não deve ser discutida no âmbito científico, pois considero duas maneiras distintas de olhar para o mundo e os fenômenos que ocorrem ao nosso redor. Então penso que essa discussão entre religião e ciência são improdutivas, porque elas não vão agregar nada de novo. As pessoas acreditam no que acreditam porque foram expostas àquilo a vida inteira. Precisamos de mais do que um vídeo de 10 minutos para convencê-las do contrário.
Mas vídeos polêmicos chamam a atenção e dão audiência. É, para muitos, uma estratégia para aumentar o número de visualizações e chegar a mais pessoas. Por que abrir mão desse alcance?
Óbvio que a audiência, no fim das contas, é o que paga as contas para qualquer influenciador. Mas não estou atrás da audiência que um vídeo desses (contra a religião) me daria. Estou atrás de impactos positivos e genuínos nas vidas das pessoas que me acompanham e que assistem aos meus vídeos. Não acho necessariamente que fazer um vídeo falando mal de religião seja relevante. Não é esse tipo de feedback que espero ganhar com o meu trabalho.
Seguindo essa lógica, você defende que, por exemplo, movimentos terraplanistas não sejam combatidos na internet? Não deve haver respostas a grupos anticientíficos?
Vejo colegas em debates com pessoas que acreditam que a Terra é plana ou fazendo vídeos reagindo a esse tipo de conteúdo. Discordo dessa abordagem, porque fazer isso é colocar uma ideia que sabemos não ser correta (Terra plana) em pé de igualdade com teorias científicas que estamos desenvolvendo há 2 mil anos, em constante processo de tentativa, erro e aprimoramento. Se adoto uma postura de embate, meu trabalho se torna dizer por que a crença de outras pessoas está errada, o que pode afastá-las. Não acho que isso seja produtivo. Prefiro continuar fazendo conteúdo de ciência e educação para que, quem sabe, essas pessoas possam ser tocadas por esses conteúdos e mudem de ideia.
Qual é a sua relação com Deus?
Venho de uma família religiosa e segui os caminhos da religião por um tempo da minha vida. Mas chegou um momento em que não conseguia me encaixar naquilo e tentei seguir uma ideia mais personalizada do que era Deus para mim, fora da visão religiosa tradicional. Hoje me considero ateu. Não consigo encaixar a ideia de um ser divino no universo em que vivo.
Você acha que as coisas ao nosso redor podem ser explicadas sem Deus?
Não é questão de explicar ou não. Penso que é uma maneira de encarar a vida e as coisas que me cercam, diferentemente da forma que algumas pessoas (que são religiosas) encaram.
A consciência (é uma questão científica que inquieta). É curioso que não tenhamos uma resposta sobre qual foi o momento da história em que a consciência começou a ser moldada. Outra pergunta é quando exatamente a vida surgiu: como moléculas inorgânicas se transformam em moléculas capazes de ter um metabolismo próprio e usar a matéria ao redor para se reproduzir e formar mais matéria?
Quem é o cientista que você gostaria de ser?
Carl Sagan (cientista e divulgador científico norte-americano que morreu em 1996, aos 62 anos). Ele é a maior inspiração no meu jeito de explicar, da minha postura em relação à religião e pseudociências como a Terra plana. Li todos os livros publicados por ele e assisti à série Cosmos no período de minha formação de caráter. Ele tem grande influência no que sou hoje.
Qual descoberta científica você queria ter feito?
Gostaria de estar envolvido em alguma descoberta sobre o Big Bang ou a expansão do universo. Acho que são discussões tão profundas sobre a natureza da humanidade, sobre o que é um ser humano, o que significa estar no universo, de onde viemos e para onde vamos. Penso que as pessoas que participaram de todo esse desenvolvimento, como Edwin Hubble (astrônomo norte-americano) e Georges Lemaître (padre e astrônomo belga), são privilegiadas por terem produzido conhecimentos relevantes para a humanidade.
Muitos dizem que não temos mais gênios na ciência hoje em dia. No passado havia vários; Albert Einstein, talvez, o maior nome deles. Os gênios desapareceram?
É uma situação parecida com a dos filmes: as pessoas olham para o passado e lembram apenas dos que são bons, e não dos que são ruins. Lembramos dos maiores expoentes, e não de todo o corpo científico de seu contexto. Não acho que tenhamos menos gênios hoje. Acontece que estamos envolto neles, e, por isso, fica difícil diferenciá-los sem um distanciamento histórico.
Quem é, então, o Einstein do nosso tempo?
Carlo Rovelli (físico e cosmologista italiano, de 67 anos) me deixou muito impressionado quando li A Ordem do Tempo e Sete Breves Lições de Física. Na época, ele estava estudando gravitação quântica, que é uma área bastante pesquisada no momento. Ele é alguém que provavelmente vamos lembrar bastante no futuro. Também cito Stephen Hawking (cientista inglês que morreu em 2018, aos 76 anos).
Que cientista não recebe o crédito que deveria?
Richard Feynman (físico norte-americano que morreu em 1988, aos 69 anos). Ele era famoso na cultura popular, mas penso que as pessoas que não são da física não fazem ideia do quão profundas foram as contribuições dele para o desenvolvimento da mecânica quântica.
Você citou alguns dos nomes importantes para a mecânica (ou física) quântica. Por quê?
É uma área que mexe com crenças e a nossa noção de realidade, é contraditória ao se comportar diferente do que esperamos. É impossível não se sentir minimamente interessado por esse assunto. Prova disso é que a palavra “quântica” está sendo usada indevidamente em diversas situações – cura quântica é um exemplo. Apenas mencionar o termo já “agrega” qualidades para algo. O assunto parece despertar um interesse natural nas pessoas.
Parece que, quanto mais estudamos, mais nos tornamos conscientes de que sabemos pouco sobre tudo. É o efeito Dunning-Kruger, um dos motivos pelos quais, na internet, pessoas que menos sabem sobre um tema agem como se fossem especialistas.
Pode citar um exemplo de algo da física quântica com esse comportamento contraditório?
A famosa dualidade de onda-partícula: a ideia de que partículas podem se comportar de um jeito ou de outro se fizemos medidas ou experimentos com elas. É um fenômeno que contradiz nossa experiência diária. Porém, ao fazermos contas e experimentos, conseguimos comprová-la.
Você brinca que alguns dos seus vídeos causam crise existencial em quem os assiste. Qual tema causa uma crise existencial em você?
Passei por várias recentemente. A última foi a certeza de que a minha estada neste planeta é passageira, que um dia tudo isso que conheço como experiência de vida, realidade, vai cessar e deixar de existir. Devo ter passado várias noites aterrorizado pensando nisso. Algumas pessoas diriam que é a crise dos 40 anos chegando 13 anos mais cedo. É um pensamento que me tirou o sono ultimamente.
E qual questão científica te deixa inquieto, em busca de uma resposta?
A consciência. É curioso que não tenhamos uma resposta sobre qual foi o momento da história em que a consciência começou a ser moldada. Outra pergunta é quando exatamente a vida surgiu: como moléculas inorgânicas se transformam em moléculas capazes de ter um metabolismo próprio e usar a matéria ao redor para se reproduzir e formar mais matéria? Também gostaria de saber se a vida é uma coisa única na Terra, ou seja, se estamos sozinhos no universo ou se é um fenômeno comum. Fico muito pensativo quando leio sobre esses assuntos.
Você é otimista com a possibilidade de existir vida fora da Terra? Como ela seria?
Tenho uma leve esperança que sim; talvez sejam micro-organismos vivos em Marte, em outro planeta ou lua do Sistema Solar, como Titã (lua de Saturno) e Europa (lua de Júpiter). Não tenho motivos para acreditar que sejamos os únicos no universo. Quanto mais leio sobre o Paradoxo de Fermi (discrepância entre o fato de não encontrarmos nenhum sinal de vida fora da Terra mesmo que haja uma enorme quantidade de objetos no universo) ou sobre a busca por vida inteligente, mais tenho a sensação de que não somos tão especiais assim. Mas as distâncias astronômicas são tão grandes, tudo está tão distante, e isso reduz a esperança de um dia fazermos contato direto com outra civilização inteligente, se ela existir.
Cientistas não têm respostas para várias questões – o que é matéria escura, o futuro do universo, o que ocorreu antes do Big Bang são alguns exemplos. Como lidar com essas lacunas? Não ter respostas para muitas perguntas não é prejudicial para a ciência?
Parece que, quanto mais estudamos, mais nos tornamos conscientes de que sabemos pouco sobre tudo. É o efeito Dunning-Kruger, um dos motivos pelos quais, na internet, pessoas que menos sabem sobre um tema agem como se fossem especialistas. A ciência nos livra da falsa sensação de que sabemos tudo. Ela nos deixa mais humildes no processo e nos mostra que existem muito mais dúvidas do que certezas no universo, e que provavelmente será assim para o resto da história. Precisamos aprender a gostar das perguntas porque elas são muito mais bonitas do que as respostas.