Pesquisadores do Museu Paleontológico na Alemanha deram o nome de Schultzsuchusa um novo gênero de réptil do período Triássico (anterior ao dos dinossauros) e pegaram o professor gaúcho César Schultz de surpresa. Ele descobriu a homenagem apenas quando o estudo dos paleontólogos Julia Desojo e Oliver Rauhut já estava publicado na revista científica The Anatomical Record. Com o nome, os cientistas queriam reconhecer as contribuições de Schultz à pesquisa sobre os vertebrados do Triássico.
— Sempre é bom receber uma homenagem assim. Eu já tinha duas espécies com o meu nome (Bonacynodon schultzi e Buriolestes schultzi), mas raramente as pessoas falam no nome das espécies, só se usa o gênero. Por exemplo, o Tyrannossaurus rex. Todo mundo chama só de Tyrannossaurus, por isso, acho que desta vez teve mais repercussão — comenta o professor, aposentado em agosto pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
A descoberta foi feita durante uma revisão de fósseis encontrados no Rio Grande do Sul em 1928 e 1929. O estudo revelou que a espécie, antes conhecida como Prestosuchus loricatus, na verdade, pertence a uma linhagem completamente diferente do que se pensava e, por isso, teve seu gênero reclassificado, tornando-se Schultzsuchus loricatus.
O gênero, classificação que em nomes científicos vem antes da distinção da espécie, agrupa animais diferentes com algumas características em comum. Por exemplo, o leão (Panthera leo) e o tigre (Panthera tigris), mesmo sendo de espécies diferentes, pertencem ao mesmo gênero, o Panthera. Essa categorização ajuda os cientistas a generalizar as espécies para estudar melhor suas características.
— A espécie é o indivíduo real na natureza, mas o gênero inclui mais de uma espécie. É como se fosse o sobrenome de uma pessoa — explica a paleontóloga Julia Desojo.
Além de dedicar sua carreira ao estudo dos vertebrados do período Triássico no Estado, Schultz ajudou a colocar a Sequência de Santa Maria, coletada pelo paleontólogo alemão Friedrich Von Huene, no mapa do interesse global por vertebrados do Triássico. A sequência é a coleção de origem dos fósseis do Schultzsuchus loricatus estudados por Julia e Rauhut.
— Graças a essas primeiras coletas, o Estado ficou conhecido mundialmente por seu registro fóssil, e muitos outros fósseis vieram depois, mas ainda hoje esses primeiros achados continuam sendo estudados, agora, por novos pesquisadores, utilizando novas abordagens — comemora Schultz.
A espécie
A Schultzsuchus loricatus faz parte do grupo Pseudosuchia, de espécies que se assemelham superficialmente aos crocodilos. De acordo com o paleontólogo Oliver Rauhut, é uma espécie semelhante a um predador esbelto e ágil, do tamanho de um cachorro grande ou leão. Externamente, o animal assemelhava-se, ligeiramente, a um crocodilo, mas seu crânio era mais alto e estreito e suas patas eram finas e ficavam abaixo do corpo.
Diferentemente da espécie contemporânea, os Schultzsuchus não eram semiaquáticos, mas caçadores terrestres, como os grandes felinos de hoje em dia. Ele viveu há 235 milhões de anos onde hoje é o Rio Grande do Sul, logo antes dos primeiros dinossauros aparecerem.
Já que o conhecimento sobre essa fauna aumentou muito desde que a Sequência de Santa Maria foi descobert e classificada, em 2007, os pesquisadores decidiram começar um trabalho de revisão das espécies descobertas por Von Huene.
Nos primeiros anos da pesquisa, o foco foram os fósseis mais completos da sequência, como o da espécie Prestosuchus chiniquensis, com um dos esqueletos mais completos do grupo Pseudosuchia já encontrados. Este não é o caso do Schultzsuchus loricatus, cujo material disponível se limita a algumas vértebras do pescoço e cauda, um pedaço da pelve, um osso do tornozelo e alguns fragmentos dos pés. Os poucos pesquisadores que comentavam sobre o achado consideravam que tratava-se da mesma espécie que o Prestosuchus chiniquensis.
— Nós estávamos muito interessados em saber se essas espécies realmente eram do mesmo gênero, Prestosuchus, ou mesmo da mesma espécie, já que isso, claro, tem implicações no nosso conhecimento sobre a diversidade dos predadores do ecossistema do Triássico representados pela Sequência de Santa Maria — conta Rauhut.
Von Huene identificou corretamente que o Schultzsuchus loricatus era de uma espécie diferente do Prestosuchus chiniquensis, mas os conhecimentos da época não permitiram que ele identificasse que seu gênero distinto.