Por Andrea Pampanelli
Professora, doutora em Sustentabilidade, integrante da Comissão de Sustentabilidade do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa
Era meados dos anos 2000. Lembro-me como se fosse hoje do dia em que eu, já engenheira formada, fui explicar ao meu avô o que significava trabalhar com sustentabilidade. Recordo do semblante de desconfiança e da pergunta que muito me fez refletir: “Minha filha, tu tens certeza que essa é a coisa certa?”.
Anos se passaram e cá estamos nos fazendo a mesma pergunta. A tragédia das enchentes no Rio Grande do Sul evidencia o quanto é chegada a hora de todos nós, gaúchos, abraçarmos a questão climática. Se os impactos das mudanças no clima são discutidos desde o século 19, quando cientistas haviam identificado que o homem tem a capacidade de modificar o meio ambiente, e as consequências são evidentes e catastróficas a ponto de desmantelar todo o nosso Estado, por que ainda é tão difícil discutir o tema com a seriedade que merece?
Meu avô viveu todas as mazelas da nossa enchente de 1941 e pôde acompanhar as discussões globais de 1972, quando, em Estocolmo, houve o primeiro grande evento sobre o tema no mundo, a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. Acompanhou também as mudanças na cidade na década de 1970 para tornar Porto Alegre mais adaptada aos eventos climáticos e, mesmo assim, viu com estranheza quando eu disse que era engenheira, que amava ciência e que trabalharia para fazer o nosso mundo melhor através da sustentabilidade.
O fato é que a questão do clima e os problemas ambientais, que são questões físicas e que respeitam as leis da natureza, assim como acreditava o meu avô, por muitos têm sido tratadas como uma questão política, dividida entre direita e esquerda. O que era para ser discutido à luz da ciência se tornou uma questão de ecologia política. E o povo gaúcho, com seu jeito próprio de cultivar as tradições, parece ter uma dificuldade ainda maior em debater o tema, sem se encaminhar para a polarização ideológica.
Durante muito tempo a questão climática foi abordada pelo que se convencionou chamar lideranças de esquerda, pois há, sim, quem acredite que alguns dos problemas que vivemos só serão de fato resolvidos pelo que chamamos de decrescimento, que aponta como solução frear o capitalismo e o crescimento. A ativista Greta Thunberg comprova a força desse ponto de vista.
A mudança climática e o ESG (governança ambiental, social e corporativa, na sigla em inglês), no entanto, têm evoluído para outros pensamentos: o reformista, com foco na social democracia e no desenvolvimento sustentável, por muitos acusado de tangenciar os problemas, desconsiderando a causa raiz; e, o mais atual, o ecomodernismo, que tem na economia circular e na inovação intensiva, sem culpa ou punição, estratégias reais de solução de problemas. É a inovabilidade (equilíbrio entre inovação e sustentabilidade), defendida globalmente por Bill Gates.
Negar a ciência, os problemas climáticos, o que está escrachado nas nossas vidas, por uma questão política, não nos ajuda em nada. O negacionismo, ao não reconhecer o que está posto, impede que se tenha estratégias e planos de ação concretos para combater um problema com o qual vamos ter que conviver com cada vez mais frequência e intensidade. Deixar de discutir, seja na esfera pública ou privada, o desenvolvimento de um plano de resiliência climática, que avalie com profundidade os riscos e impactos para as empresas e para o estado sob o jugo de que o investimento é demasiado, chega a ser uma heresia.
É mais do que hora de nós, brasileiros, e especialmente os gaúchos, discutirmos o clima considerando a ciência e não a política, sem esse viés que embaça nossa visão e desfoca o olhar sobre o que realmente é importante. Não podemos sair, como povo, de um evento traumático como o que estamos passando do mesmo jeito que ingressamos. Assim como acredita o meu avô, honramos nossa tradição e mostramos, mais uma vez, que somos um povo forte, trabalhador, aguerrido, solidário, empático. Mas, se essa tragédia está aí para nos ensinar algo, que ela sirva para nos mostrar a termos novas façanhas, baseadas em um novo pensar, consciente do impacto das mudanças climáticas, apesar das crenças limitantes e diferenças ideológicas que venhamos a ter.