Por Aidir Parizzi
Engenheiro, autor dos livros “Mar Incógnito” e “Embarque Imediato” (BesouroBox, 2022)
No outono de 1992, em uma ferragem do bairro porto-alegrense Bom Fim, encontrei José Lutzenberger. Eu havia retornado de um período de seis meses de trabalho em uma empresa de engenharia ambiental na Dinamarca. Apresentei-me ao ambientalista e resumi o que havia visto e feito em Copenhague. Em segundos, ele passou de uma atitude ríspida (era sempre direto e sincero) para um genuíno interesse e concentrada atenção. No final da conversa, me passou seu endereço, telefone e me disse que, embora o Brasil não fosse a Escandinávia, sempre valeria a pena lutar.
Estando longe dos tristes e dramáticos acontecimentos no Rio Grande do Sul, falta-me legitimidade para comentar sobre esta calamidade específica. Contudo, tendo testemunhado in loco várias temporadas de furacões no sul do Texas e por ter visto de perto as consequências desastrosas dos ciclones tropicais Katrina e Ike, procurei refletir sobre questões que emergem de fenômenos de tamanhas proporções, cada vez mais frequentes.
Antes de mais nada, são admiráveis a capacidade de reação e as iniciativas de solidariedade, em grupo ou de forma individual, especialmente quando feitas sem grande alarde. Tais ações renovam nossa confiança na espécie e injetam esperança, tão necessária em momentos de desespero e apreensão. São inúmeros os exemplos comoventes de dedicação individual e capacidade de organização nos grupos de voluntários que se formam espontaneamente.
Vale lembrar que não podemos confundir louváveis iniciativas de pessoas e comunidades com a chamada iniciativa privada, em que parte dos empresários busca maximizar seu lucro até em momentos críticos como o atual. O mesmo vale para os políticos. Entre os eleitos do presente e do passado, fica evidente quem se omite e, se aparece, é para obter vantagem eleitoreira ou, pior, desviar a atenção e a mobilização popular para finalidades espúrias. Basta de egoísmo e parvo negacionismo. O aquecimento global é real e galopante. A frequência de desastres ambientais nunca foi tão intensa e vai aumentar muito se não fizermos alguma coisa agora.
Outros aspectos me parecem pertinentes. Por exemplo, a ironia de a enchente ocorrer em uma região que nutre certa superioridade e que, do dia para a noite, mergulha na necessidade de ajuda de um Estado que muitos desejavam que fosse mínimo e de um plano de recuperação que contará com impostos e ajuda que também provêm de regiões seguidamente desprezadas, como o Norte e o Nordeste.
Torço que alguma lição seja aprendida. Ingenuamente talvez, esperamos algum arrependimento de legisladores e governantes, bem como dos que os corrompem em ações e leis contra a natureza. Por ganância, são destruídos mecanismos naturais de recuperação e defesa contra o inegável aumento da temperatura global e suas consequências, como a previsível escalada do número de desastres ambientais.
Depois daquele fortuito encontro com Lutzenberger, pensei além da conta e, por medo ou desleixo, não o contatei. Nome mundial da luta pela preservação ambiental, ele lembrava que vivemos todos juntos na mesma casa (Gaia) e não temos a possibilidade de nos mudarmos. Diante da catástrofe, se não soubermos reagir e ajudar nosso próximo e as futuras gerações da forma que for possível, que espécie de farsa estaremos vivendo em nossa curta existência?
Da mesma forma, se a tragédia não servir para revermos o modo de vida e o impacto que causamos na natureza, seguiremos engolfados em debates inúteis e orgulhos vazios, escravizados por posicionamentos ufanistas como gaúchos, como descendentes de quem quer que seja, por sermos de direita, de esquerda, religiosos, ateus ou tantos outros rótulos autoimpostos que nos levam a usar energia e intelecto sem propósito útil. Somos muito melhores do que isso e, em nossa casa comum, temos muito por fazer.