O grande volume de chuva que causou alagamentos e mortes em diferentes regiões do Rio Grande do Sul nos últimos dias não foi resultado apenas de um fenômeno climático, mas de uma combinação de fatores. Henrique Repinaldo, meteorologista do Centro de Pesquisas e Previsões Meteorológicas da Universidade Federal de Pelotas (CPPMet/UFPel), explica que o evento começou ainda na sexta-feira (1º), com uma área de baixa pressão.
De acordo com o especialista, mesmo que seja normal para a região nesta época do ano, a baixa pressão favorece o aumento da umidade e a formação de nuvens. Além disso, ela foi intensificada por uma corrente de ar que traz umidade da região amazônica — também chamada de rios atmosféricos, justamente por transportar muita umidade pelo ar.
— Essa corrente acabou se direcionando ao norte do Estado e já começou a provocar precipitação. No sábado (2), parou, mas no domingo voltou a se intensificar e na segunda-feira (3) também. A corrente de umidade acaba alimentando diretamente a nuvem e, com a quantidade de nuvens sobre o Estado, isso ajudou a intensificar a área de baixa pressão, o que formou o ciclone e intensificou as precipitações — resume.
Assim, na segunda-feira, todos esses fatores estavam atuando sobre o território gaúcho. Repinaldo destaca que é preciso uma “receita de bolo” para a formação de nuvens e, por consequência, da tempestade: a parte dinâmica, que é a baixa pressão, mais a umidade e a instabilidade. Mas o volume excepcional de chuva, esclarece, foi impulsionado principalmente pelo grande aporte de umidade vindo da Amazônia.
Desde 1º de setembro, por exemplo, Passo Fundo acumulou 315mm de chuva, sendo que a média para todo o mês fica entre 140mm e 180mm. Outras cidades como Vacaria, Serafina Correa e Ijuí tiveram valores próximos de 300mm.
— É um conjunto de fatores: ciclone, área de baixa pressão e corrente de umidade. O ciclone intensifica o fluxo de umidade e o fluxo de umidade alimenta o ciclone. Eles são retroalimentados. Com o ciclone, não tivemos vento muito forte, foi mais em termos de chuva que provocou danos. Em quatro dias, choveu acima do esperado para o mês todo. E foi mais na metade norte do Estado — comenta o meteorologista.
À medida que o ciclone se afastou, impulsionou o ar frio para o Estado. Repinaldo também acrescenta que a situação provavelmente esteja associada ao El Niño, porque o fenômeno favorece que um maior aporte de umidade da região amazônica chegue ao Rio Grande do Sul.
O meteorologista Marcelo Schneider, coordenador do 8º Distrito de Meteorologia do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), concorda com o especialista do CPPMet/UFPel sobre a possibilidade de ter sido o primeiro evento com influência do El Niño no Estado. Também afirma que o corredor de ar quente e úmido costuma ocorrer entre o final do inverno e início da primavera, trazendo ou intensificando a instabilidade. Por isso, a previsão já indicava que a chuva tinha potencial para ser forte e perdurar.
— Ainda vamos avaliar os parâmetros para dizer se já tem influência direta do El Niño, mas nas projeções de meses atrás já conseguíamos observar isso. Anos anteriores com eventos fortes de El Niño indicavam mais chuva a partir de agosto, principalmente em setembro e outubro. Então, já sabíamos com antecedência que teria chuvarada forte agora. E a previsão para os próximos dias mostra a manutenção da instabilidade — ressalta.