Por Marina Ramos Dermmam
Advogada, vice-presidenta do Conselho Nacional dos Direitos Humanos
A Cúpula da Amazônia, realizada neste mês de agosto, deixou importantes legados. Os governos dos países amazônicos (Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela) debateram uma agenda comum para a promoção do desenvolvimento sustentável da região.
A Declaração de Belém, documento firmado pelos países contendo as intenções e os compromissos com a região, estabeleceu consenso em relação à preocupação com o desmatamento, a degradação ambiental, os impactos do aquecimento global na floresta amazônica e o fortalecimento da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA). Destaco ainda a carta apresentada na Assembleia dos Povos da Terra pela Amazônia, exigindo o reconhecimento do estado de emergência climática na região, de forma a evitar o iminente ponto de não retorno no bioma amazônico.
O evento parece distante de nós, mas deu um importante exemplo aos países que abrigam o bioma Pampa. O Pampa, localizado na metade sul do Rio Grande do Sul (sendo 63% do território gaúcho), também ocupa todo o Uruguai e parte da Argentina. Nele encontra-se uma rica diversidade de flora e fauna, incluindo espécies de mamíferos raros e ameaçados de extinção, além de espécies vegetais com ocorrência apenas nesse bioma.
A exemplo do que ocorre na Amazônia, o Pampa vem sofrendo com a ação humana, especialmente pelo avanço da agricultura de grãos, da silvicultura e das pastagens cultivadas. Somado a isso, o uso indiscriminado de agrotóxicos degrada o meio ambiente e contamina recursos hídricos.
Nas últimas três décadas, o Pampa perdeu 34% de sua área original. Além disso, um aviso alarmante foi dado por pesquisadores da Universidade Federal do Pampa (Unipampa): nosso bioma tende a desaparecer em 2043 se esse ritmo continuar. Não é demasiado dizer que o desmatamento desenfreado é um dos fatores que têm nos levado a essa situação de iminente catástrofe climática. Os campos do Pampa poderiam contribuir na absorção de carbono na atmosfera.
Por isso, não seria muito exigir, aqui no Estado, a observação das diretrizes debatidas em Belém para a proteção ambiental, adotando medidas como a revogação imediata das normas que favorecem o desmatamento ilegal no bioma Pampa, além de exigir a recuperação e a restauração das áreas degradadas. O Rio Grande do Sul já está sofrendo os impactos da mudança climática: ciclones constantes, estiagem e crise hídrica são alguns dos exemplos. Na carona disso, há perdas econômicas nos mais variados setores produtivos, especialmente agrícola, o que afeta os custos da produção e, consequentemente, o valor final ao consumidor (lembremos dos custos dos alimentos no último período). A crise climática ainda gera, igualmente, impactos diretos na saúde da população.
Não é só o desmatamento que afeta o nosso bioma Pampa. A matriz energética com base em combustíveis fósseis, em especial o carvão, é outro grande problema. As termelétricas gaúchas, durante todo o ciclo de produção de energia, retiram toneladas de carvão do solo, contaminam os já escassos recursos hídricos e emitem elevados índices de gases de efeito estufa com a queima carvão, impactando diretamente no bioma Pampa.
Sobre a emissão de gases de efeito estufa, o Rio Grande do Sul é o oitavo Estado em emissão no Brasil, sendo o setor de energia responsável por 24% dessas emissões. E é no Pampa que termos as unidades termelétricas mais poluentes do Brasil: a UTE Candiota III e UTE Pampa Sul II.
A população gaúcha, que já vive os impactos das mudanças climáticas, não pode aderir ao negacionismo. Pelo contrário, deve abraçar um novo modelo de desenvolvimento pautado na transição energética justa e sustentável. Um primeiro passo seria a imediata aprovação, pelo parlamento, do PL 237/23 que dispõe sobre preservação, conservação, proteção, regeneração e uso sustentável do bioma Pampa.
O direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado é meio para concretizar outros direitos, como à vida, à saúde, à alimentação e à moradia. A exemplo da Amazônia, o nosso Pampa merece uma cúpula para que Brasil, Argentina e Uruguai consensuem a necessidade de proteger o nosso bioma.