Líderes de oito países assinaram a declaração da Cúpula da Amazônia nesta terça-feira (8), com o objetivo de criar uma agenda comum para a preservação da floresta. O acordo foi firmado no primeiro dia do evento que ocorre em Belém, no Pará.
O documento desagradou especialistas por não incluir a meta de desmatamento zero como compromisso para todo o bioma, algo defendido pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Também não incluiu a eliminação de planos de explorar petróleo na região. O texto foi aprovado pelas oito nações amazônicas: Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela.
Sobre a destruição da floresta, o documento menciona apenas "a urgência de pactuar metas comuns para 2030, (...) tendo como ideal o desmatamento zero", que é a meta do governo brasileiro. O conteúdo, porém, não traz isso como obrigação para todo o bloco.
Já o tema dos combustíveis fósseis tem causado mal-estar para a gestão Lula após vir à tona, em maio, um plano da Petrobras de explorar petróleo na margem equatorial da foz do Rio Amazonas. A proposta dividiu o próprio governo. A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, critica, mas o presidente não rechaça completamente os estudos sobre essa atividade na região.
A declaração de Belém fala apenas em "iniciar um diálogo entre os Estados Partes sobre a sustentabilidade de setores tais como mineração e hidrocarbonetos na Região Amazônica", mas não em eliminar planos de exploração petrolífera na área.
O Brasil propôs o encontro da cúpula, que não se reunia desde 2009, com o objetivo de fortalecer um bloco amazônico para os debates climáticos e também ajudar na negociação de pedidos de ajuda financeira a países desenvolvidos. A ratificação e a implementação do acordo ficaram congeladas na gestão de Jair Bolsonaro. O bloco apresentou uma carta adicional com exigências ambientais para o pacto ser firmado. As atividades terminam na quarta-feira (9), segundo dia do encontro.
Outros pontos da declaração
Entre outros trechos da declaração, estão o oferecimento, pelo governo brasileiro, do Centro de Cooperação Policial Internacional em Manaus para a cooperação entre as polícias dos oito países e o estabelecimento de um Sistema Integrado de Controle de Tráfego Aéreo para combate ao tráfego aéreo ilícito, o narcotráfico e outros crimes.
Também prevê criar mecanismos financeiros de fomento do desenvolvimento sustentável, com destaque à Coalizão Verde, que congrega bancos de desenvolvimento da região.
Além disso, o documento prevê a criação de instâncias, no âmbito da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA), como o Mecanismo Amazônico de Povos Indígenas, o Painel Técnico-Científico Intergovernamental da Amazônia (o IPCC da Amazônia), e os observatórios da situação de defensores de direitos humanos e de mulheres rurais para a Amazônia, entre outras.
Especialista comentam acordo
O ambientalista Márcio Astrini, secretário-geral do Observatório do Clima, maior coalizão de ONGs do país, diz que faltou contundência à Declaração de Belém, sobretudo no que diz respeito ao fim do desmatamento.
— É uma lista de promessas. O mundo está derretendo. Não é possível que, diante de tudo o que está acontecendo, oito líderes de países amazônicos não consigam dizer com todas as letras: acabou o tempo da derrubada de florestas. Faltou algo mais contundente — pontua.
Para o professor do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP), Paulo Artaxo, uma das maiores autoridades mundiais em pesquisas sobre climatologia, a Declaração de Belém é um "grande passo, que muda radicalmente a gestão da floresta amazônica".
Uma das propostas do evento em Belém, a criação do Painel Técnico-Científico Intergovernamental da Amazônia (o "IPCC da floresta") - e a Aliança Amazônica de Combate ao Desmatamento dão caráter de integração e gestão mais amplas, de forma que nunca foi feito na região.
— É um passo notável para que as políticas públicas a serem implantadas sejam baseadas em decisões científicas. Até agora, eram ditadas por setores como a agropecuária e a mineração — afirma Artaxo.
Segundo o professor, é natural que haja conflito entre países com diferenças de desenvolvimento e de interesses, mas é um "grande passo", diz o especialista, que integrou o IPCC das Nações Unidas, o painel de cientistas da ONU para estudar o aquecimento global.
Mauricio Voivodic, diretor-executivo do WWF-Brasil, concorda que é positivo que os chefes de Estado tenham reconhecido o “ponto de não retorno” da Amazônia com a cúpula e a urgência de evitá-lo. Porém, a organização diz lamentar que os países amazônicos não tenham chegado a um consenso para acabar com o desmatamento na região:
— É necessário que se adotem medidas concretas e robustas que sejam capazes de eliminar o desmatamento o mais rápido possível. Combater e eliminar o ouro ilegal e a contaminação por mercúrio, que se tornou um problema ambiental e de saúde pública na região, exige igual atenção e urgência. Também é imprescindível aumentar as áreas protegidas e os territórios indígenas. Como a OTCA saiu fortalecida, que ela ajude na rápida implementação de ações efetivas no combate ao desmatamento, ao mercúrio e o garimpo ilegal e na ampliação de áreas protegidas e territórios indígenas.