Por Marcelo Dutra da Silva
Ecólogo, docente na Universidade Federal do Rio Grande (Furg)
A falta generalizada de chuvas nos leva a enfrentar mais um período tenso de estiagem no Rio Grande do Sul, com prejuízos que devem ultrapassar os R$ 40 milhões. As maiores perdas são sentidas nas culturas da soja e do milho, incluindo um forte impacto na pecuária de leite. Efeitos de um tempo seco devastador que rapidamente alcançou todas as regiões do Estado, atingindo mais de 80% do território. Mais de 400 municípios gaúchos vivem uma nova situação difícil, que precisa ser interpretada e enfrentada com técnica, investimento e muita vontade política.
Antes de mais nada, é preciso entender que a estiagem é um tema complexo que nos acompanha há muito tempo e qualquer tentativa de encontrar soluções, sem uma análise detalhada do contexto, é absolutamente inútil e sem propósito. Aliás, foi simplificando essa questão que nunca saímos do lugar. Então, não adianta justificar a seca apontando para o efeito La Niña; ou resumir que essa é uma condição adversa das mudanças climáticas; que ocorre por causa do desmatamento e da destruição do sistema de produção de água; que a culpa é da parcela pouco responsável do agronegócio, que explora a terra sem considerar o fim dos recursos; que o governo é ruim e não fiscaliza a contento; que faltam boas políticas de enfrentamento à seca e técnicas de proteção da água; ou que a lei ambiental atrapalha. Na prática, é um pouco de tudo isso, junto e ao mesmo tempo.
A questão da estiagem é uma agenda antiga e tem sido pauta recorrente em diversos governos, a exemplo das notícias veiculadas nos canais oficiais quanto às iniciativas, às medidas de auxílio e à busca do socorro federal. Foi assim com Antônio Brito (1995-1999), Olívio Dutra (1999-2003), Germano Rigotto (2003-2007), Yeda Crusius (2007-2011), Tarso Genro (2011-2015), José Ivo Sartóri (2015-2019), Eduardo Leite (2019-2022)... Em todos, sem exceção. Agora, mais uma vez, o governador reeleito volta a enfrentar a questão, o governo federal acena com ajuda de R$ 430 milhões e ressurgem promessas e equipes mobilizadas em toda parte. Mas tem algo diferente acontecendo.
Leite está mais sensível às questões ambientais, especialmente quando o tema é energia limpa, e tem surpreendido no engajamento para atender os afetados pela estiagem, na tomada de providências e, principalmente, no esforço para colocar em prática um plano permanente e transversal de mitigação dos efeitos do prolongado tempo seco. O Monitor da Estiagem é um instrumento técnico interessante, que nos dará suporte ao planejamento estratégico, permitindo soluções mais eficientes para o próximo período. A ferramenta vai reunir dados atualizados da situação climática do Estado e permitir comparativos com as secas registradas em anos anteriores. Todas as informações serão concentradas em um só local para subsidiar a construção de políticas públicas e facilitar a consulta para fins científicos e a população em geral. Um avanço, sem a menor dúvida.
Entretanto, apenas monitorar não basta. O plano precisa incluir um esforço permanente de manejo e conservação do solo e da água, de restauração das paisagens naturais e recomposição da cobertura original de áreas de preservação permanente, sobretudo margens e nascentes. A fiscalização e o controle sobre o uso do espaço devem ser redobrados, para garantir o máximo de eficiência na produção com a preservação do meio ambiente. Também, a reservação da água deve fazer parte de um programa robusto de extensão rural, com investimento, assessoramento técnico e licenciamento ágil e descomplicado. As ações devem ser descentralizadas, para além dos limites da Secretaria do Meio Ambiente, envolvendo outras pastas e a comunidade científica externa, sejam centros de pesquisa especializados ou universidades. Ou seja, para essa realidade mudar, o esforço terá de ser o maior de todos os tempos, com ampla participação das forças vivas da sociedade.
A quebra da safra de milho já está acima dos 55% e a estimada para soja é de 40%, ou mais. O leite é o mais difícil de cravar um valor exato, mas deve superar todas as perdas. Um impacto do qual não vamos conseguir escapar, seja pelo dinheiro que deixa de circular, pelo aumento dos preços dos insumos, derivados ou manufaturas, pela quebra da arrecadação de impostos e pela inviabilidade de o Estado prestar um bom serviço. Então, é bom estar ciente de que o clima diferente representa uma parte importante do quebra-cabeças. As mudanças promovidas pelo aquecimento global acentuam os efeitos das nossas práticas tradicionais de produção, e é isso que precisamos mudar primeiro: as práticas ruins devem ser corrigidas na esteira das novas iniciativas do governo estadual. Afinal, com menos água disponível para o uso, tudo o que afeta a disponibilidade hídrica precisa ser evitado.