A diversidade de recursos naturais permite a diversificação de fontes geradoras de energia, o que é fundamental para enfrentar a transição do combustível e do gás de cozinha, em um momento histórico crucial em meio à conscientização ambiental despertada a partir das mudanças climáticas.
As campeãs de geração de eletricidade são as hidrelétricas, responsáveis por 56,8% do produzido no Brasil e 55,9% no Rio Grande do Sul. Renovável e limpa, essa fonte de energia também traz impactos ambientais, já que a construção de hidrelétricas pode alagar áreas florestais.
No Estado, as cooperativas de energia, que possuem pequenas centrais hidrelétricas (PCH) para produzir localmente, são tradição. Conforme a Federação das Cooperativas de Energia, Telefonia e Desenvolvimento Rural do Rio Grande do Sul (Fecoergs), cerca de 90% das cooperativas desse tipo no Brasil se concentram em municípios gaúchos. Nos últimos anos, as cooperativas têm investido em outras fontes, como a eólica e a solar. Ainda preferem, contudo, a energia hidráulica.
– As hidrelétricas oferecem uma geração firme, com resposta de 70% do período gerando energia, contra 40% da eólica e em torno de 20% da solar. Porém, somos totalmente favoráveis a diversificar. A matriz energética brasileira comporta todo tipo de fonte, mas quem dá a base quando não tem sol ou vento são as hidrelétricas e as usinas a gás e a carvão – avalia José Zordan, superintendente da Fecoergs.
Outra vantagem de investir na energia hídrica, para as cooperativas, é a vida útil das hidrelétricas, que, com boa manutenção, podem durar um século. A Hidrelétrica Boa Vista, por exemplo, opera no município de Estrela desde 1947 e gera 700kw com as águas do Arroio Boa Vista, que deságua no Rio Taquari. Essa é uma das unidades da Certel, maior e a mais antiga cooperativa de eletrificação em atividade no país. Mas a empresa também tem novos projetos, como a Hidrelétrica Bom Retiro, em Bom Retiro do Sul, que terá uma potência instalada de 30mw a 35mw a partir de 2026.
Presidente do Grupo Certel e da Fecoergs, Erineo José Hennemann tem apostado também em projetos nos setores de energia eólica e solar e relata que há cooperativas também investindo em biomassa. Os investimentos têm como alvo a demanda de energia esperada para os próximos anos.
– O Rio Grande do Sul, hoje, é comprador de energia. Para os próximos anos, o país e o Estado vão crescer e vamos precisar de mais energia, e isso não existe, se não houver infraestrutura. Precisamos nos preparar para gerá-la aqui, porque o Estado tem muito potencial nesse setor – diz Hennemann.
Nos próximos três anos, a previsão é de as cooperativas gaúchas de energia injetarem R$ 1 bilhão em projetos no setor, com a construção de pequenas centrais hidrelétricas e a implementação de redes de distribuição e trifásicas no Interior.
A energia eólica
Com implementação iniciada em 2006 no Rio Grande do Sul, a energia eólica – gerada pelo vento – vem representando uma fatia cada vez maior na produção de eletricidade. Hoje, 17,3% da potência instalada de energia elétrica no Estado vem dos “cataventos”, como são conhecidos os aerogeradores, índice empatado com o de energias termofósseis. No total, 1,8gw já estão instalados em 80 parques em municípios gaúchos, o que torna o Rio Grande do Sul o quinto Estado com potência eólica.
O município com maior potência eólica é Santa Vitória do Palmar, no Extremo-Sul, onde fica, junto com o vizinho Chuí, o Complexo Eólico Campos Neutrais. Lá está um terço de toda a potência do Estado. O empreendimento é de propriedade da Omega Energia, que comprou o complexo em 2020, tornando-se a maior geradora de energia renovável do Brasil.
De acordo com Thiago Linhares, diretor de Operações da Omega, a empresa decidiu investir no Estado devido à qualidade do ativo, ao porte do projeto e às características da incidência de vento da região.
– Em termos de competitividade, o fator de capacidade do Sul é menor do que o do Nordeste. Entretanto, isso pode ser compensado pelos menores custos de transmissão – afirma Linhares, destacando que a energia eólica é a fonte mais barata para a expansão da geração de energia limpa.
Para que a geração de energia eólica siga crescendo, ele sinaliza a importância de tornar o setor atrativo para investimentos, uma vez que os principais desafios são “entraves regulatórios e subsídios para tecnologias que não são competitivas”.
O primeiro complexo eólico do Estado – que, na época, foi reconhecido como o maior da América Latina – foi o localizado em Osório, no Litoral Norte. Administrado pela empresa espanhola Enerfin, o conjunto de parques eólicos chama a atenção de quem passa pela freeway e conta até com um centro de visitantes para receber os curiosos. Lá, a potência eólica é de 318mw.
Segundo Felipe Ostermayer, diretor da Enerfin no Brasil, as características naturais de vento do Estado, somadas a um ambiente de estabilidade institucional encontrado na região na época, foram os principais motivadores para a empresa investir no Sul.
– A estabilidade regulatória e o ambiente institucional são fatores importantes para o Estado continuar atraindo novos projetos. Analisando em perspectiva esse período de mais de 15 anos, vejo que a política de geração renovável tem sido tratada como um tema de Estado, e os governos vêm priorizando esse processo sucessivamente – analisa Ostermayer, citando, ainda, a boa capacitação profissional, a logística de transportes e um acesso robusto à rede elétrica como vantagens do Rio Grande do Sul.
A Enerfin tem investido especialmente em Estados do Nordeste, como Rio Grande do Norte e Pernambuco. No entanto, tem projetos em desenvolvimento nos litorais médio e sul do Rio Grande do Sul, que dependem da superação de “barreiras competitivas”, na comparação com o Nordeste, para irem adiante.
O diretor da empresa relata que um novo elemento regulatório que favorece geradores implantados em zonas mais próximas dos centros de consumo – localizados, principalmente, no Sudeste – dão vantagem a investimentos no Sul.
Segundo a Sema, além da potência já instalada, há 82 projetos no setor eólico que estão em algum estágio do licenciamento ambiental para terem andamento. Desses, 61 são onshore, ou seja, a serem instalados na terra, com previsão de gerarem 15,5gw de potência. Outros 21 projetos são offshore, nos quais a instalação ocorre em lagoas e no oceano, com capacidade de geração de 56,7gw.
Novidade no Brasil, a energia eólica offshore é obtida aproveitando a força do vento que sopra em alto-mar, que alcança uma velocidade maior e mais constante, devido à inexistência de barreiras.
– A gente brinca que, se não fomos muito agraciados com praias bonitas, fomos agraciados com o vento. O potencial do offshore é gigantesco. Temos vários projetos na região que vai de Tramandaí ao Chuí, ainda em caráter de estudo, mas que, de alguma forma, vão acontecer, em algum momento – salienta o presidente do Sindienergia-RS, Guilherme Sari.
Com 7.367km de costa e 3,5 milhões de quilômetros quadrados de espaço marítimo sob sua jurisdição, o Brasil possui uma plataforma continental extensa, que confere características favoráveis para a instalação e operação de empreendimentos para geração de energia elétrica offshore. Ainda falta, porém, marco regulatório estruturado no setor.
Em janeiro de 2022, o governo federal publicou decreto que regulamenta a cessão de uso de espaços físicos e o aproveitamento dos recursos naturais em águas do mar sob domínio da União para a geração de energia elétrica. Em outubro, os Ministérios de Minas e Energia e do Meio Ambiente editaram uma portaria criando o Portal Único para Gestão do Uso de Áreas Offshore para Geração de Energia. Não há, entretanto, uma legislação que regule a prática. Atualmente, um projeto de lei sobre o assunto tramita no Congresso Nacional. A autoria da proposta é do então senador Jean Paul Prates (PT-RN), hoje presidente da Petrobras, o que anima investidores do setor.
No Rio Grande do Sul, o município de Rio Grande tem sido o foco de vários projetos de offshore com pedido de licenciamento ambiental encaminhado.
– As eólicas offshore parecem ser uma realidade muito concreta, com atores que vêm avançando, como investidores e pessoas da área política. Tudo isso passa por um rito junto ao Ibama que ainda precisa ser cumprido, já que, por ser no mar, o regramento é federal. Mas estamos fazendo a nossa parte, porque o município precisa estar preparado para oferecer mão de obra e infraestrutura – assegura o secretário do Meio Ambiente de Rio Grande, Pedro Fruet.
A energia fotovoltaica
Se o Rio Grande do Sul não é exatamente o primeiro lugar do país a vir à cabeça quando se pensa em sol, o Estado tem condições naturais melhores do que nações que investem há anos na energia fotovoltaica, gerada pelo sol.
– Se eu fosse construir uma usina fotovoltaica, faria isso no sertão do Piauí, mas, no Rio Grande do Sul, temos uma condição solar muito melhor do que a Alemanha, por exemplo, que é um país onde a maioria das residências novas já é entregue com placas instaladas – analisa o professor Odilon Duarte.
Mapeamento recente feito pela Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar) colocou o Rio Grande do Sul na terceira posição nacional entre os Estados com maior potência instalada de energia solar na geração própria em telhados e pequenos terrenos, a chamada “geração distribuída”. Em dezembro de 2022, esse tipo de geração representava 16% dos 10,4gw de potência instalada no Rio Grande do Sul.
A “moda” de instalar placas de energia fotovoltaica pegou, inclusive, em prédios públicos. O campus da UFRGS no Litoral Norte, por exemplo, se tornou autossuficiente em energia elétrica e, hoje, distribui o excedente por meio de um sistema interligado.
– Estamos muito felizes com essa conquista. Hoje, é possível gerar eletricidade em qualquer lugar, mas precisamos que todos esses pontos de geração própria de energia solar se conectem com a rede de energia distribuída. O gerenciamento disso é bem mais complexo do que quando eram apenas grandes centrais, mas existem muitos softwares com inteligência artificial que permitem essa organização – destaca a professora Aline Pan.
Desde o último dia 7, com a entrada em vigor da lei nº 14.300/2022, apelidada de “taxação do sol”, projetos de geração de energia solar ganharam novos custos. Quem optar pelo investimento em energia solar passa, agora, a pagar pelo uso da infraestrutura disponibilizada pela distribuidora nos períodos em que não há geração simultânea, ou seja, nos momentos em que a residência só consome e não produz energia. A cobrança do Fio B, como é chamado o valor relativo às linhas de transmissão de energia até a residência do cliente, será ampliada gradativamente: agora, 15% do custo será cobrado. O índice passará para 30% em 2024, para 45% em 2025, para 60% em 2026, para 75% em 2027 e para 90% em 2028.
– O preço vai aumentar, mas o investimento em energia fotovoltaica segue sendo economicamente interessante, porque o preço cobrado pela energia também segue aumentando. A taxação vai aumentar, mas o consumidor vai pagar mais pela energia. A longo prazo, até a venda de um imóvel com placas solares instaladas pode virar um atrativo – observa Odilon Duarte.
O presidente do Sindienergia-RS avalia que a taxação é importante, porque se, por um lado, havia a possibilidade de todos produzirem energia, por outro, a linha de transmissão não era paga, o que gerava um rombo no processo.
– Agravava duas situações: a concessionária tinha que arcar sozinha com o custo das linhas de transmissão e esse custo era repassado para o consumidor. A criação dessa taxa surge como um equalizador desse processo, para que, no fim, o consumidor pague menos – defende Sari.
A energia de biomassa
Com vasta área rural e produção agropecuária, o Rio Grande do Sul tem capacidade de produzir, diariamente, 1,5 milhão de metros cúbicos de biometano e 2,5 milhões de metros cúbicos de biogás. Ambos os materiais são produzidos a partir de rejeitos orgânicos de atividades agropecuárias e antrópicas, decompostos por bactérias em biodigestores. Apesar de produzirem gás carbônico, já que envolvem a combustão, o tipo de gás emitido é absorvido pela natureza, por meio da fotossíntese. Por isso, a biomassa é considerada uma energia limpa.
Há, no Rio Grande do Sul, uma série de estudos envolvendo biomassa. De acordo com a secretária estadual de Inovação, Ciência e Tecnologia, Simone Stülp, muito do potencial da produção de energia de biomassas ainda não é aproveitado no Estado.
– Poderíamos avançar de forma muito mais contundente. Quando falamos de energia da biomassa, falamos, por exemplo, de biogás, que pode ser a energia que possibilita o aquecimento de sistemas, mas mais que isso, tem pesquisa sobre uso do biometano como gás veicular e no aquecimento de residências. Temos iniciativas de centros de pesquisa, universidades, empresas que trabalham nessa temática – diz Simone.
Um dos estudos destacados pela secretária diz respeito à otimização do processo de pirólise da biomassa para a geração de energia e de produtos para o agronegócio. Coordenado pelo professor Carlos Pérez Bergmann, da UFRGS, e financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Rio Grande do Sul (Fapergs), o estudo também abrange pesquisadores de instituições como a Unipampa, UFSM, a Ecossul, em São Pedro do Sul, a UPF, a UCS, a Feevale e a Unisc, no Rio Grande do Sul, a UFLA, em Minas Gerais, e a Universidade de Aveiro, em Portugal.
A pesquisa busca desenvolver produtos necessários no agronegócio, como imobilizadores de bactérias, fertilizante, germinadores de sementes, biocidas, substrato para o tratamento de efluentes e condicionadores do solo. Também promete elaborar modelos computacionais de moléculas de bio-óleo para a energia fotovoltaica, pellets para produzir energia elétrica e térmica e bio-óleo em si, para ser usado como combustível.
O hidrogênio verde
Já o hidrogênio verde, ainda incipiente no Brasil, é uma promessa para o futuro tanto em nível nacional como estadual. No ano passado, governo do Rio Grande do Sul contratou uma consultoria norte-americana para fazer um plano para a cadeia do produto, que substitui combustíveis fósseis e é feito com água e eletricidade de fonte de energia renovável, como eólica e solar.
– Há uma corrida mundial pelo hidrogênio verde. Estamos trabalhando para termos um mercado de hidrogênio confiável para o consumidor e para o distribuidor, para sairmos na frente como saímos em 2006, com a criação do parque eólico em Osório – recorda a secretária estadual do Meio Ambiente e da Infraestrutura, Marjorie Kauffmann.
Um mapeamento de produtos e subprodutos potenciais para o hidrogênio verde foi contratado pelo governo, concluído no final do ano passado e deve ser lançado em fevereiro. Enquanto isso, memorandos já foram assinados junto a empresas interessadas em participar da cadeia produtiva, como a Enerfin, a Ocean Winds e a White Martins.
Guilherme Sari enxerga o hidrogênio verde como um processo que ainda está muito fechado dentro do governo, e que o ideal é garantir transparência para que o investidor tenha clareza dos objetivos nesse setor.
– No Ceará, que é um Estado que andou muito rapidamente nesse processo, já há contratos milionários no setor do hidrogênio que têm rendido frutos de exportação, inclusive. Entendemos que isso também deve ocorrer no Sul-Sudeste, mas precisamos fazer isso acontecer. Queremos ser autossuficientes em energia até para poder gerar hidrogênio verde a partir da energia que sobrar – analisa o presidente da entidade.
A energia nuclear
Apesar de “mal falada”, devido à relação com acidentes como os ocorridos em Chernobyl e Fukushima, a energia nuclear é considerada renovável e limpa. O problema está em seu resíduo, que leva de centenas a milhares de anos para parar de emitir radiação.
Em dezembro, o resultado de um estudo, anunciado por pesquisadores norte-americanos, empolgou cientistas do mundo inteiro, diante de um avanço que pode revolucionar a produção de energia no planeta. Trata-se do processo de ignição por fusão, buscado há anos por estudiosos.
Conforme o professor Odilon Duarte, coordenador do curso de Engenharia de Energias Renováveis da PUCRS, o que hoje já é feito é o processo de fissão nuclear, no qual são separados os átomos de um elemento radioativo e, com isso, ocorre a liberação de energia, na forma de calor. No caso da fusão nuclear, essas moléculas, em vez de se separarem, se fundem e, por meio dessa fusão, geram calor.
– A geração nuclear é uma fonte quase inesgotável de energia. Com a fusão, esse sistema terminaria com uma liberação muito grande de energia. Atualmente, estão sendo feitos ensaios para fazer com que essa fusão seja algo controlável, o que ainda é preocupante, porque, se não for, pode explodir. Se conseguirmos controlar a fusão, esse processo viraria uma fonte inesgotável de energia. Seria fantástico – resume o estudioso.
O docente relata que, na Suíça, já havia sido feito um grande círculo onde era feita a aceleração de dois átomos, que se chocavam e geravam uma grande quantidade de energia. O controle dessa fusão, contudo, ainda era uma dificuldade. O que os pesquisadores norte-americanos fizeram foi conseguir que essa geração acontecesse de forma controlada. O próximo passo será realizar o mesmo experimento em quantidades maiores de átomos.