Isolados a 250km do acampamento mais próximo, sem notícias, com raro contato via telefone satelital e temperaturas que chegam a -25°C, a equipe de pesquisadores liderada pelo vice-pró-reitor de Pesquisa da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Jefferson Cardia Simões, completou a segunda semana na Antártica, cumprindo a missão Criosfera 2022.
Em algumas ocasiões, o pesquisador consegue enviar e-mails. Na mensagem mais recente, enviada à reportagem nesta sexta-feira (23), Simões relatou (confira mais abaixo o texto na íntegra) como tem sido a rotina da equipe que está instalada na Geleira Pine Island, a 2 mil quilômetros de distância ao Sul da Estação Brasileira na Antártica Comandante Ferraz, da qual ele faz parte e onde estão seis pesquisadores. Segundo o professor, conforme se aproxima do polo sul geográfico e com sol durante 24 horas do dia, o fuso horário começa a ficar arbitrário. Eles, por exemplo, estão usando o horário do Chile, que ainda é útil na latitude onde estão (78,5 graus sul).
A função do grupo de Simões — no total, três equipes de pesquisadores estão em pontos diferentes do continente antártico — é coletar amostras de neve e gelo que acumularam desde o início da revolução industrial. Depois de enfrentarem uma nevasca de quatro dias, a equipe ganhou sol e temperaturas mais amenas (variando entre -9°C e -21°C) para abrirem um poço de quase 100m de profundidade, garantindo, conforme o professor, "mais de 200 anos de dados ambientais".
O objetivo geral da missão, que deve ficar na região até janeiro de 2023, é investigar as consequências das mudanças do clima para a Antártica e para a América do Sul. Esta já é considerada a maior expedição brasileira feita no interior do continente. O trabalho utilizará tratores polares e aviões com esquis para locomoção em uma área equivalente à região sul do Brasil.
Além dos professores da UFRGS, o estudo conta com pesquisadores da Universidade Federal do Pará (UFPA) e da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e faz parte do Proantar, coordenado pela Secretaria Interministerial para os Recursos do Mar (Secirm).
Confira o relato na íntegra do professor Jefferson Cardia Simões
"A parte da expedição que lidero está basicamente envolvida com a coleta de amostras de neve e gelo que acumularam desde o início da revolução industrial. Objetivo: reconstruir a história do clima e da química da atmosfera. Para fazer isso, temos que acampar no meio do manto de gelo da Antártica, esta gigantesca massa de gelo que alguns lugares ultrapassa os 4 quilômetros de espessura e cobre 13,6 milhões de quilômetros quadrados, uma área 1,6 vezes a do Brasil.
Geralmente, a Antártica apresentada por publicações, documentários e pelo jornalismo é aquela da parte marítima, rica em fauna (pinguins, focas, baleias), e mesmo com algumas espécies de musgos. Além, é claro, de muitas estações. Isso não tem nada a ver com a realidade do interior do manto de gelo Antártico!
Estamos isolados, somos seis em cinco barracas. Ao redor, a imensidão branca. O oceano está a mais de 400km para Oeste, o acampamento mais próximo a 250km para Sudeste. A estação Antártica do Brasil, Comandante Ferraz, está a cerca de 2.000 km para o Norte.
Poucos conseguem imaginar o que é o centro desta parte do manto de gelo antártico. Um planalto sem nenhuma feição aparente na paisagem. Um verdadeiro deserto branco, formado pela precipitação e acumulação de cristais de neve ao longo de dezenas de milhares de anos. Por isso, alguns chamam isso de "deserto de cristal". Aqui, a temperatura média anual é ao redor de -30°C, podendo facilmente cair a -65°C no inverno.
São 2 horas da madrugada, todos já foram dormir. Silêncio total, pois não há vento. Estou na barraca cozinha e consigo ouvir o ronco de um colega que está a 30 metros de distância.
Resolvo sair da barraca, temperatura ao redor de -22°C. Dou um giro de 360° para observar a paisagem: minimalista. Só a superfície plana e branca a perder de vista, sequer pequenas dunas de neve. Ao longe, uma duna de neve maior, estaria a dois ou seis quilômetros de distância? Não sei, a falta de referências na superfície prega peças! Ainda por cima, miragens são frequentes no interior do manto de gelo!
Esta paisagem minimalista e, ao mesmo tempo, desoladora é o nada no meio do nada! Nos traz o sentimento de aceitação de quão minúsculos somos."
Dados sobre o acampamento na Geleira Pine Island
- Posição geográfica: 78,5 graus Sul, 97,5 graus Oeste
- Altitude: 1.760 metros
- Temperatura média anual: -30°C
- Temperatura em dezembro: oscilando entre -4°C e -25°C
- Espessura do gelo abaixo do acampamento: ao redor de 2.100 metros