Seis pesquisadores que fazem parte de uma das três equipes da missão Criosfera 2022 na Antártica, liderada pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), estão há três dias impossibilitados de saírem das barracas na Geleira Pine Island, a 2 mil quilômetros de distância ao Sul da Estação Brasileira na Antártica Comandante Ferraz. Uma tempestade de neve, com ventos de até 100km/h e visibilidade de 40m, impede os pesquisadores de atuarem na região. Para se ter uma ideia do tamanho da dificuldade, eles estão usando cordas para se deslocarem no próprio acampamento sem se perderem.
Liderada pelo vice-pró-reitor de Pesquisa da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Jefferson Cardia Simões, que também é vice-presidente do Comitê Internacional de Pesquisa Antártica (Scar) e cientista líder do Programa Antártico Brasileiro (Proantar), a equipe foi a primeira a chegar e está no local desde 8 de dezembro. Este grupo será responsável por perfurar o gelo antártico para reconstruir a história desta geleira, que em caso de desgelo pode contribuir para o aumento do nível do mar global. De acordo com os pesquisadores, ela tem mostrado rápidas mudanças nas últimas duas décadas.
O grupo chegou ao local com uma recepção, de fato, calorosa. Em relato enviado por email à reportagem de GZH, Simões comentou sobre o "calor incomum" no local.
— Chegamos e estava quente (entre -13ºC e -5ºC). Chegou a fazer 4ºC negativos na sexta-feira (9). No sol estava 1ºC negativo. Isso é muito quente para o local que estamos. Isso é anômalo. Ainda mais que estamos a 1.770 metros de altitude — relatou em e-mail.
O calor foi tão intenso, contou Simões, que o descongelamento da neve levou água para dentro das barracas. Algo que ele garante jamais ter visto em 34 anos de pesquisas na região. O tempo aberto permitiu ao grupo montar o acampamento e começar a perfuração do gelo.
Três dias depois da chegada, porém, a equipe começou a enfrentar uma nevasca com ventos de 80 km/h a 100 km/h, temperatura de -12°C e sensação térmica caindo a -30°C, com visibilidade de 40m.
— Vamos ter dois a três dias dentro das barracas, só lendo e fazendo trabalho teórico. Para mim, a parte mais chata da exploração polar são esses dias que temos que aguardar melhores condições meteorológicas. O tempo meteorológico dá o tempo e a velocidade de nossas atividades — contou Simões.
Em novo e-mail no domingo (11), o pesquisador da UFRGS falou das dificuldades enfrentadas durante a tempestade de neve.
— A Antártica não perdoa, estamos há 36 horas no meio de uma nevasca, ventos de até 70 km/h, temperatura ao redor de -12°C e sensação térmica caindo a -25°C. Visibilidade caiu a 40 metros, tivemos que colocar corda até o banheiro, para ninguém se perder! Vida dentro das barracas — contou.
Nesta terça-feira (13), Simões enviou novo e-mail confirmando que a equipe segue impedida de sair das barracas porque a nevasca ainda não cessou.
A segunda equipe, Criosfera 1, que conta com três pesquisadores, está a 680km da equipe da Geleira Pine Island. Eles serão responsáveis pelo monitoramento da composição química da atmosfera, medição de raios cósmicos e dados meteorológicos.
O objetivo geral da missão, que deve ficar na região até janeiro de 2023, é investigar as consequências das mudanças do clima para a Antártica e para a América do Sul. Esta já é considerada a maior expedição brasileira feita no interior do continente. O trabalho utilizará tratores polares e aviões com esquis para locomoção em uma área equivalente à região sul do Brasil. Além dos professores da UFRGS, o estudo conta com pesquisadores da Universidade Federal do Pará (UFPA) e da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), e faz parte do Proantar, coordenado pela Secretaria Interministerial para os Recursos do Mar (Secirm).
Na segunda-feira (12), o Módulo Criosfera 2 foi embarcado rumo ao continente antártico. Ele foi construído com tecnologia brasileira e coletará dados do clima e da concentração de dióxido de carbono (o CO2, principal gás de efeito estufa) ao longo de todo ano. A equipe que o comandará (quatro pesquisadores, incluindo o gestor do grupo, o pesquisador da UFRGS Francisco Eliseu Aquino) está em Punta Arenas, no Chile, desde 7 de dezembro, realizando os últimos preparativos e detalhes para embarque para a Antártica nesta quarta-feira (14). Na Antártica, eles ficarão a 430km da equipe da Geleira Pine Island.
Quem são os pesquisadores na Antártica:
Acampamento na Geleira Pine Island
Pesquisadores: Jefferson Cardia Simões, Luís Fernando Reis Magalhães, Ronaldo Torma Bernardo e Filipe Ley Lindau, os quatro da UFRGS, Ellen de Nazaré de Souza Gomes (Universidade Federal do Pará) e Jandy de Menezes Travassos (Coppe/Universidade Federal do Rio de Janeiro).
Pesquisas: história do clima e da química da atmosfera a partir de amostras de neve e gelo (obtidas pela perfuração do gelo)
Módulo Criosfera 1
Pesquisadores: Heitor Evangelista (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) Heber Passos (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) e Franco Vilella (Instituto Nacional de Meteorologia).
Pesquisas: monitoramento da composição química da atmosfera, medição de raios cósmicos e dados meteorológicos.
Módulo Criosfera 2
Pesquisadores: Francisco Eliseu Aquino, Isaias Ullmann Thoen e Venisse Schoesler, os três da UFRGS, e o engenheiro chileno Marcelo Arevalo.
Pesquisa: instalação do novo laboratório da UFRGS e do programa antártico brasileiro, Criosfera 2. Para pesquisas de mudanças do clima.