Calor incomum, isolamento por quatro dias, dificuldades de ir ao banheiro e rotina que depende das condições climáticas foram algumas das situações vividas na primeira semana da missão Criosfera 2022, liderada pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) na Antártica.
Por e-mail, enviado na sexta-feira (16), o líder da expedição e vice-pró-reitor de Pesquisa da UFRGS, Jefferson Cardia Simões, relatou como tem sido a rotina da equipe que está instalada na Geleira Pine Island, a 2 mil quilômetros de distância ao Sul da Estação Brasileira na Antártica Comandante Ferraz, da qual ele faz parte e onde estão seis pesquisadores. Simões passou quatro dias, praticamente, só dentro da barraca por conta de uma nevasca com ventos de até 70 km/h, temperatura ao redor de -12°C, sensação térmica de -25°C e visibilidade de 40 metros. A situação foi tão complicada que o grupo precisou estender uma corda da barraca até o banheiro para ninguém se perder.
Outras duas equipes de pesquisadores brasileiros estão espalhadas em pontos diferentes do solo antártico. Cada uma com tarefas específicas. A última turma a chegar ao local, composta por quatro pessoas e liderada pelo professor da UFRGS Francisco Eliseu Aquino, ficará responsável pela instalação do novo laboratório da UFRGS e do programa antártico brasileiro, Criosfera 2.
O objetivo geral da missão, que deve ficar na região até janeiro de 2023, é investigar as consequências das mudanças do clima para a Antártica e para a América do Sul. Esta já é considerada a maior expedição brasileira feita no interior do continente. O trabalho utilizará tratores polares e aviões com esquis para locomoção em uma área equivalente à região sul do Brasil. Além dos professores da UFRGS, o estudo conta com pesquisadores da Universidade Federal do Pará (UFPA) e da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e faz parte do Proantar, coordenado pela Secretaria Interministerial para os Recursos do Mar (Secirm).
Confira o relato de Simões sobre a primeira semana da missão
Tempo melhora
"Desde quinta-feira (15), o tempo tem estado muito bom. Ou seja, temperatura oscilando entre -8°C e -22°C de madrugada. Lembrando que aqui temos sol nas 24 horas do dia, a altura que ele chega na “madrugada” é um pouco menor. Por isso, mais frio. O vento reduzido 8 a 20 km/h permitiu que o trabalho de campo avançasse e já estamos perfurando o gelo e fazendo alguns levantamentos geofísicos do gelo."
Congelamento
"A noite do dia 14 para 15 foi fria e tivemos que colocar mais uma camada de roupas. Tiramos e colocamos camada de roupas, conforme a oscilação da temperatura. O pior sempre é o vento, que reduz muito a sensação térmica. Se cair a menos de 40°C a sensação térmica, não dá para trabalhar ao relento, sob risco de congelamento da pele exposta."
Verão antártico
"A temperatura média anual do local do acampamento é -30°C, mas estamos no auge do verão antártico nesta latitude. A espessura do gelo sob o qual estamos acampado ultrapassa os 2 mil metros, só então se encontra a rocha."
Rotina
"Despertamos conforme as condições meteorológicas, e as horas de trabalho também (dependem do clima). Com tempo bom, o pessoal tem café às 9h (café, aveia, pão, castanhas) e água para manter a hidratação. Iniciamos o trabalho, de dois a três turnos conforme a meteorologia. Tempo bom se entra noite a dentro. Almoço às 14h e janta às 21h."
Comida
"A alimentação nos dias de hoje seria considerada normal, ou seja, um carboidrato (arroz ou massa), uma carne e, pela primeira vez, trouxemos peixe congelado e algum vegetal ou fruta em lata ou em sacos. Ou seja, foi-se o mito de alimentos especiais desidratados para expedição polares, isso é coisa da década de 1980. Somos uma equipe de trabalho, que tem que permanecer muito bem. Alimentada para produzir intelectualmente. Ainda temos chá e alguns tomam mate (nossa equipe tem colegas do Pará) e chocolates."
Dias de isolamento
"Dia de tempestade muda tudo. Duas refeições, alguns ficam até as 10h no saco de dormir e, depois, não tem muito o que fazer, ler algum livro, preparar relatório e, principalmente, manter os pés quentes."
Preocupações
"A preocupação para evitar erros no trato com o ambiente é constante. O mínimo descuido, por exemplo, como perder uma luva no meio de tempestade, pode representar o congelamento de dedos ou mesmo da mão. E nosso médico mais próximo está a 250 quilômetros, em um acampamento que só se chega por avião (em tempo bom que pode demorar para ocorrer)."
Dejetos congelados
"Uma das coisas mais incômodas é ir ao banheiro. Principalmente, em meio de tempestades com ventos de mais de 60 km/h. Por isso, temos uma barraca só para isso, uma caixa que é vaso sanitário e o local para banho de lenços umedecidos, quando não estão congelados. Além disso, a Antártica tem um rigoroso protocolo ambiental e todo o nosso lixo será tirado do acampamento, inclusive os dejetos humanos sólidos. É isso mesmo! Todo o cocô é jogado em sacos e deixado congelar. Depois, embarca no avião."
O melhor e o pior
"A melhor hora do dia: entrar nos sacos de dormir e, em cinco minutos, estamos aquecidos. A pior parte: sair do saco de dormir."