Os 130 quilômetros que separam Dunas Altas, em Palmares do Sul, e Torres, no Litoral Norte, apresentam dois picos anuais de surgimento de pinguins-de-Magalhães (Spheniscus magellanicus) mortos na faixa de praia. Esta é a primeira constatação do levantamento que vem sendo feito há dez anos pelo biólogo Maurício Tavares, do Centro de Estudos Costeiros, Limnológicos e Marinhos, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ceclimar-UFRGS).
Desde 2012, Maurício dedica parte do seu trabalho à contagem periódica de aves mortas no trecho. Ele conta com o auxílio de mais três colegas (duas biólogas e um veterinário), além de bolsistas. Cada carcaça encontrada tem a espécie e a posição geográfica identificadas, também é fotografada e marcada com tinta spray atóxica para evitar recontagem em saídas subsequentes. Em alguns casos, são coletadas amostras biológicas para subsidiar pesquisas em desenvolvimento pela equipe ou suporte a trabalhos de graduação e pós-graduação.
A maior parte dos animais encontrados encalhados estava no primeiro ano de vida (96%). Apenas 4% possuíam plumagem de adulto e muitos eram adultos jovens ainda não reprodutivos. Somente neste ano, já foram contabilizados 559 pinguins sem vida na areia.
Na saída mais recente, ocorrida na terça (25), o biólogo encontrou mortos 227 animais jovens num raio em 52km, entre Imbé e o farol de Arroio do Sal — média de cinco por quilômetro, número considerado tranquilo se comparado a anos anteriores.
— No caso dos que foram avistados nesta semana, os animais não tinham dois quilos e todos aparentam ter morrido de seleção natural, seja por cansaço, não conseguir comer ou até a temperatura da água pode ter influenciado — sugere o biólogo.
Pelo estudo de Maurício, em média, 1,2 mil pinguins morrem por ano entre Dunas Altas e Torres. O ano com maior número de pinguins encontrados mortos foi 2014, com 2.331 indivíduos contabilizados. Naquele ano, o pico ocorreu em agosto, com 1.425 registrados.
— O maior pico de mortalidade ocorre no inverno, entre julho e agosto, e temos um pico menor na primavera, entre outubro e novembro. Em alguns anos, como no caso de 2018, o pico maior pode ocorrer na primavera, como parece estar ocorrendo em 2022. Mas ainda não temos a contabilidade completa — ressalta Maurício.
Maurício explica que a ocorrência do pinguim-de-Magalhães no litoral gaúcho é comum entre o outono e a primavera. É um processo considerado cíclico e sazonal. As colônias reprodutivas da espécie, no Atlântico Sul Ocidental, estão localizadas na Patagônia Argentina. Segundo o biólogo, depois da temporada reprodutiva, os pinguins se dispersam das colônias e seguem a presa principal, a anchoíta (Engraulis anchoita), uma pequena espécie de peixe semelhante a uma sardinha, em direção ao Norte. Nesse processo migratório, os pinguins acabam chegando ao Brasil, especialmente no sul do país, em grandes quantidades nos litorais do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina. Em meados de setembro, os adultos, que já atingiram a maturidade sexual, retornam às colônias reprodutivas na Patagônia Argentina para começar a temporada reprodutiva, e mais um ciclo se completa.
A hipótese do pesquisador para a quantidade de animais mortos encontrados no Litoral Norte é de que quando há um melhor desempenho na estação reprodutiva, provavelmente ocorra um número maior de animais nascidos vivos. E isso acaba impactando numa maior mortalidade nas primeiras fases da vida, o que, destaca Maurício, é considerado natural para qualquer espécie animal. O biólogo ressalta também que é impossível saber se a situação é a mesma nos litorais médio e sul do Estado, pois não há estudos iguais sendo desenvolvidos nestes trechos.
Embora a mortalidade dos pinguins-de-Magalhães no Rio Grande do Sul já tenha sido registrada no século 19 pelo naturalista alemão Herman von Ihering, o fato ainda surpreende a população. Relatos históricos do padre José de Anchieta também já evidenciavam a presença dos pinguins-de-Magalhães no litoral do Espírito Santo poucas décadas depois do descobrimento do Brasil.
Conforme Maurício, a mortalidade destes pinguins costuma ser por seleção natural, captura acidental em redes de pesca ou contaminação por petróleo (o animal não consegue manter a impermeabilização das penas e sofre hipotermia). Felizmente, desde 2011, não houve eventos de contaminação por derivados de petróleo no litoral norte gaúcho.
Um próximo passo do levantamento realizado pelo biólogo poderá envolver a análise da influência dos ventos e das correntes marinhas no fato.
— A direção do vento pode influenciar se a carcaça estiver no mar há mais tempo e o vento, aliado à corrente, a empurra para a beira da praia, potencializando o encalhe na nossa costa – finaliza Maurício.