Difícil falar da Amazônia sem dar notícias negativas. Celebrada neste 5 de setembro, a maior floresta tropical do mundo teve o agosto com o mais alto número de queimadas dos últimos 12 anos, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Foram 33.116 focos de fogo na porção brasileira, perdendo apenas para agosto de 2010, com 45.018 focos.
E o mês que vem pela frente deve ser ainda mais alarmante, diz o climatologista Carlos Nobre, um dos principais estudiosos da Amazônia. Ex-membro do Inpe e atual pesquisador do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (IEA-USP), ele alerta que os três primeiros dias de setembro já somam 50% do total de queimadas que ocorreram na floresta em todo setembro do ano passado.
— Setembro de 2022 deve bater o recorde de queimadas de todos os meses de setembro pelo menos até 2010 — lamenta.
Além do mais, agosto e setembro deste ano têm os dias com os maiores número de focos de fogo desde 30 de setembro de 2007, quando foram registrados 3.936 focos, observa a geógrafa Ane Alencar, coordenadora do MapBiomas, rede de instituições que produz dados sobre a cobertura da terra no Brasil. Em 22 de agosto, foram 3.358 focos; em 4 de setembro, 3.393.
Todo esse cenário catastrófico se dá em um contexto sem seca, já que as chuvas deste ano foram regulares, diz Nobre. Isso, somado ao fato de que grande parte das queimadas é decorrente da ação humana, são fatores que levam a crer que há grande atuação de facções ligadas ao crime ambiental.
Na avaliação do pesquisador que integra uma das sociedades científicas mais antigas do mundo, a Royal Society, no Reino Unido, a devastação está levando o sul da Amazônia a um ponto de não retorno, em que o clima se altera tanto que a floresta pode terminar — no lugar, teria um clima de savana, bioma muito menos rico.
— O número de árvores morrendo na Amazônia está aumentando muito. Nos últimos 40 anos, a estação seca já aumentou de quatro a cinco semanas. E uma floresta só existe em lugares com estação seca muito curta e, ainda assim, chove nessa estação seca. Há um processo de savanização da Amazônia, com um bioma menos rico em diversidade, com poucas árvores, pouco armazenamento de carbono. Estamos na beira do precipício. Temos a obrigação de zerar o desmatamento — apela Nobre.
Segundo Ane, que também é diretora de ciência do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), a Amazônia precisa ser encarada como um grande serviço à humanidade.
— Temos um patrimônio natural que presta um serviço ecossistêmico para as pessoas que estão no Brasil e no mundo. O impacto dessa floresta não é só regional — reforça a geógrafa.
Confira, abaixo, as principais contribuições da Amazônia para o Brasil e o mundo:
Águas
A Amazônia tem um papel importante na reciclagem das águas. A umidade que entra na floresta pelo Oceano Atlântico é evapotranspirada pelas plantas, ou seja, liberada pelos poros das folhas. Essa evaporação da água para a atmosfera faz com que as gotículas condensem e caiam como chuva.
— Para se ter uma ideia, uma sumaúma, ou samaúma, que é uma árvore imponente da Amazônia, libera cerca de uma caixa d'água por dia para a atmosfera. Imagina o quanto de água não liberam os milhões de árvores juntas que temos na Amazônia — aponta Ane.
Essa evaporação é levada pelas correntes de ar que vão para o centro-sul e sudeste do Brasil. É responsável, portanto, por parte da chuva que cai nessas regiões.
Conforto térmico
Sem árvores na Amazônia, toda a umidade evapora imediatamente, o que faz a temperatura crescer muito rápido, e, por consequência, desfavorece a ocorrência de nuvens de chuva.
Em árvores com floresta, a temperatura é mais baixa, explica Ane. Enquanto em áreas desmatadas, é maior.
— Há lugares como o sul do Xingu, no Mato Grosso, ao sul da Amazônia brasileira, que apresenta cinco graus de diferença entre a parte de dentro e a parte de fora da floresta. Isso é perceptível — diz a geógrafa.
Estoque de carbono
A Amazônia tem capacidade de reter grande parte do carbono, elemento principal do CO2, um dos causadores do efeito estufa. Se há grande derrubada e queima de árvores, o carbono é liberado e vira CO2, que se acumula na atmosfera, impede que o calor saia e causa grande aquecimento da terra.
Se o planeta aquece mais do que o normal, os oceanos, responsáveis por parte da circulação de ar, criam fenômenos climáticos para compensar esse desequilíbrio, respondendo com mais seca ou mais chuva, como o La Ninã e o El Niño.
— Grande parte da emissão de gases do efeito estufa no Brasil, cerca de 45%, é decorrente do desmatamento. Em segundo lugar, vem as práticas agropecuárias, com 27%. Se o Brasil quiser reduzir a emissão de gases do efeito estufa, de fato precisa combater o desmatamento da Amazônia — diz Ane.
Biodiversidade
A Amazônia é o lugar com maior biodiversidade do planeta — mais de 13% de todas as plantas e animais do mundo foram identificados na floresta.
Além do mais, alerta Nobre, há grande chance de surgirem epidemias e pandemias se a floresta for devastada.
— A Amazônia é um lugar com milhões de microrganismos, vírus, bactérias e protozoários. Esses desequilíbrios na floresta fazem com que os vírus cheguem próximos às populações urbanas e se tornem uma zoonose — diz o cientista.