Criar incentivos e concessões financeiras para atrair e manter os bons funcionários e investimento em tecnologia. A receita cabe para uma empresa saudável com planos de crescimento. Nesse caso, porém, quem precisa se beneficiar desse modelo não vai tão bem assim: a Amazônia. Isso faz parte de um diagnóstico produzido pelo Instituto Igarapé, Fórum Brasileiro de Segurança Pública e Centro Soberania e Clima que aponta para uma série de medidas para a segurança e o desenvolvimento sustentável da floresta e dos cerca de 25 milhões de pessoas que vivem na região.
Esta segunda-feira é Dia da Amazônia, criado em 2007 com base na data em que o imperador Dom Pedro II criou a província do Amazonas: 5 de setembro de 1850.
A complexidade do desafio só é comparável com a urgência de equacionar os problemas que existem na Amazônia e que se refletem no país. O Brasil tem seis anos para zerar a derrubada ilegal da floresta. A meta foi acordada pelo país durante a Conferência do Clima das Nações Unidas (COP-26), em Glasgow, em 2021. De lá para cá, no entanto, o caminho trilhado foi o oposto. Desmatamento em alta, mineração ilegal crescente, grilagem de terras protegidas e o avanço de organizações criminosas para a região são apenas uma parte do quadro que gera prejuízos internos e desconfiança internacional.
Batizada de "Governar para não Entregar", que remete ao slogan dos tempos do Regime Militar "Integrar para não Entregar", mas com o sinal oposto, o diagnóstico das três instituições destaca a complexidade do panorama de mudanças, o potencial da região e as consequências da falta de uma política nacional coordenada para a região. A partir desta segunda-feira (5), dia da Amazônia, os organizadores levarão o estudo e suas propostas a campanha dos candidatos à Presidência, aos governos de Estado e ao Legislativo.
Na lista de medidas a serem encaradas com urgência está a valorização dos servidores públicos nas carreiras federais para atração e permanência na região amazônica, especialmente para postos mais críticos e afastados das capitais, evitando a alta rotatividade. "A concessão de incentivo financeiro, isonomia entre as carreiras e vantagem na progressão de carreira são opções a serem consideradas", afirma o relatório.
Para a diretora de Projetos do Instituto Igarapé, Melina Risso, a medida é uma forma de inverter a noção de "castigo" implícita em ocupar um cargo na região.
— Quando um servidor vai para a Amazônia, normalmente em início de carreira, a primeira coisa que ele faz é pensar em sair de lá — afirma. — Na primeira oportunidade ele vai embora.
Melina diz que a adoção de incentivos de carreira para o deslocamento para a Amazônia não chega a ser uma novidade:
— As Forças Armadas têm esses incentivos para a carreira dos oficiais. O tempo passado lá também é em parte abatido do tempo para a aposentadoria. Precisamos repensar as carreiras federais para que os melhores fiquem lá. Isso é factível.
Implementar uma política de carreiras como essa seria uma mudança no cenário dos servidores federais que hoje trabalham na região. Uma das críticas no Brasil e no exterior ao governo de Jair Bolsonaro é o desmonte dos órgãos de combate e fiscalização, como o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama).
Entre os outros pontos destacados pelo diagnóstico está o investimento em tecnologias de monitoramento remoto e análise automatizada para reduzir os custos operacionais. Além de dar mais celeridade ao trabalho de campo, como as fiscalizações e autuações, a medida pode ter impacto na proteção ambiental.
Além disso, o relatório sugere criar uma rede de transmissão e registro de informações sobre invasões e exploração ilegal de recursos naturais em terras protegidas, como territórios indígenas e unidades de conservação, equipando as comunidades com os recursos tecnológicos necessários e fazendo a capacitação para o uso de aplicativos online de monitoramento de queimadas e desmatamento.
O documento revela a baixa eficiência do Estado brasileiro para as questões de governança sobre as questões amazônicas, em especial nos territórios distantes dos grandes centros urbanos.
— O poder público está presente, mas de forma desorganizada e desarticulada — diz Renato Sérgio de Lima, presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
De acordo com o relatório, há apenas 148 embarcações disponíveis à Polícia Militar e 34 à Polícia Civil no conjunto de seis Estados da Amazônia pesquisados, além de apenas quatro aviões e dois helicópteros em uma área de grandes dimensões. Para se ter dimensão do que isso representa, as Polícias Civil e Militar do Estado de São Paulo têm 686 embarcações, quatro aviões e 28 helicópteros.
Lima ressalta o tamanho do déficit com o avanço das facções criminosas na região e com a associação delas com atividades legais e ilegais, que ficaram claras com o assassinato do indigenista Bruno Pereira e do jornalista Dom Phillips, em junho, no Vale do Javari, região de tríplice fronteira em que o tráfico de drogas prospera.
— São 22 facções que ocupam a Amazônia Legal e dão as regras de convivência sobre coisas como, por exemplo, que pode ou não entrar no garimpo. Não é por acaso que o número de homicídios subiu tanto na região, ao contrário do que ocorreu no país ao longo dos últimos anos— afirma Lima.
O diagnóstico das três instituições ainda lista medidas como:
- Implementar um Plano de Proteção e Fiscalização das terras indígenas e das unidades de conservação ambiental de forma integrada e participativa, articulando ações dos órgãos federais (Polícia Federal, Ibama, Censipam, Funai e ICMBio), as instituições não governamentais, associações e comunidades
- Regulamentar o poder de polícia administrativa da Funai para que o órgão tenha competência de fiscalizar suas áreas de atuação, instaurar procedimentos administrativos sancionadores e punir aqueles que praticarem atos ilícitos - administrativos - em terras indígenas
- Revogar todas as normas vigentes que limitam a execução da fiscalização ambiental pelos órgãos competentes e que impedem a responsabilização dos infratores
- Recompor a capacidade de atuação das agências ambientais como Ibama e ICMBio com recursos humanos, tecnológicos e financeiros
- Executar e cobrar efetivamente as multas impostas pelo Ibama a infratores ambientais por meio da atuação conjunta entre o órgão e a Procuradoria Especializada
- Tipificar o crime de grilagem de terras públicas em áreas de florestas públicas
- Capacitar servidores de diferentes áreas, incluindo juízes, policiais, promotores, procuradores, funcionários alfandegários em diferentes tipos de respostas de combate aos crimes ambientais e delitos correlatos
A longa lista de medidas evidencia a complexidade do desafio e das diferenças dentro do território amazônico. Sem organização e governança, diz a diretora de Projetos do Instituto Igarapé, o país ficará cada vez mais longe de suas metas ambientais e os efeitos serão cada vez mais sentidos nas outras regiões.