Por Marcelo Dutra da Silva
Ecólogo, docente na Furg
A academia é um lugar especial, de experiência e construção do pensamento crítico, que extrapola a tarefa de formar jovens para o mercado de trabalho. Aliás, enganam-se aqueles que resumem a formação profissional aos conteúdos programados para sala de aula. A vivência acadêmica é muito maior do que isso e deve contribuir na preparação do indivíduo para uma vida em sociedade. Mas reconheço que é um processo falho e tem algo que me incomoda desde a graduação. Vivemos em uma espécie de bolha acadêmica, em que boa parte das experiências vividas são pautadas pela teoria, quase fantasiosas, sem conexão direta com a realidade.
A universidade brasileira tem importante participação no campo da ciência e tecnologia, com farta oferta de contribuições para o desenvolvimento do país. Entretanto, o foco de algumas áreas parece concentrado em grandes questões, por vezes abstratas, sem aplicação objetiva – modelos teóricos da realidade, que nem sempre alcançam os problemas que enfrentamos no dia a dia. E é para essa distância que precisamos despertar. Precisamos sair da bolha, olhar para o outro lado do muro, para o mundo real realizado e enfrentar a realidade que nos cerca.
Não é possível que tanta capacidade de gerar conhecimento não seja empregada no desenvolvimento de soluções para os problemas que enfrentamos no campo e na cidade; que siga o descompasso entre ciência e política; que decisões da administração pública se mantenham aliadas a grupos políticos e econômicos, em detrimento do interesse público e do bem comum; que ideias horrorosas, desconcertantes, eleitoreiras, opostas aos princípios da conservação e da sustentabilidade, sejam levantadas como projetos políticos; que fiquemos calados diante do retrocesso ambiental ou que aceitemos, em silêncio, a tentativa de nos calar.
As questões que precisamos enfrentar se colocam para além da técnica. E mesmo que a maioria dos colegas ainda se mantenha distante do debate político, um leve despertar da ciência parece estar acontecendo. Vimos uma forte mobilização de cientistas frente ao desmonte da política nacional do meio ambiente no governo Bolsonaro. No Estado, vimos algo parecido desde a reforma do Código Estadual do Meio Ambiente, no governo Eduardo Leite. E, nos municípios, estamos vendo pesquisadores, em nossas universidades, posicionando-se diante das decisões absurdas tomadas por prefeitos e integrantes da administração pública e que frequentemente são levadas ao conhecimento do Ministério Público. Eu mesmo tenho feito muito isso. Acompanho, me manifesto, fundamentado na ciência, e denuncio, sempre que necessário.
Neste momento, por exemplo, está em debate a liberação da pesca de arrasto, que ousam chamar de “sustentável”. Imagine, uma arte de pesca destrutiva, que reduz o estoque do pescado e que leva o pescador à miséria. Não tem como ser sustentável. Assim como também não o é a exploração energética eólica na Lagoa dos Patos, na ausência de diretrizes para o licenciamento ambiental.
Os efeitos sobre o contexto e no desenvolvimento de outras atividades são tão importantes de se considerar quanto os impactos na biodiversidade. E, sem um plano espacial lagunar de usos e conflitos, não é possível seguir em frente. Da mesma forma, a ideia de ampliar nossa matriz energética queimando mais carvão (a Mina Guaíba), algo absolutamente fora da realidade, felizmente foi abandonada e enterrada. Assim como espero que seja esquecida a intenção, muito infeliz, de edificar um porto no Litoral Norte e outro na margem oposta de Pelotas, no sul do Estado, no Canal São Gonçalo. Enfim, uma série de propostas que fogem ao ideal de desenvolvimento com características de sustentabilidade.
Por falar em Pelotas, na região as questões de meio ambiente e descaso público andam de mãos dadas. Enfrentamos sérios problemas no saneamento – onde a água que levamos ao consumo não é segura e pode faltar; a drenagem não acompanhou o crescimento da cidade, está obstruída e serve de corpo receptor aos dejetos; e boa parte do esgoto não recebe tratamento, lançado in natura no Canal São Gonçalo. Também enfrentamos problemas na fiscalização e no controle, com áreas protegidas por lei sendo invadidas e ocupadas – às vezes com autorização expressa do poder público, que licencia a supressão de remanescentes da mata atlântica, de áreas úmidas de campo e banhado, de diferentes fisionomias, para empreender novos condomínios e loteamentos.
E, mesmo com todo nosso apelo acadêmico, com publicações técnicas (incluindo um livro), ainda não conseguimos convencer a administração municipal da importância de criarmos, pelo menos, uma unidade de conservação. É como viver no filme Não Olhe para Cima.