Por Marcelo Dutra da Silva
Ecólogo, docente na Universidade Federal do Rio Grande (Furg)
A noção de que somos dependentes da disponibilidade dos recursos remonta aos primórdios da civilização. Ela evoluiu do nosso instinto de sobrevivência e medo. Mas não nos trousse consciência. Isso veio depois, no contexto da sustentabilidade. Embora se reconheça nossa pretensa superioridade de espécie e vocação para o controle, que até aqui serviram de base para o relacionamento humano com a natureza, com poucos questionamentos ao longo da história, não está funcionando mais. Foi racionalizando tudo que construímos esse modo de vida baseado no crescimento, na expansão sem limites das atividades e na exploração infinita das riquezas naturais.
Evidentemente, não está dando certo, e começamos a perceber que criamos um modo de vida injusto, perverso, insustentável e incerto. Sobretudo para os excluídos do sistema econômico vigente, que tem nos mais pobres um peso colateral inevitável. E que vê a natureza como um estoque inesgotável de recursos, na mais completa ignorância e percepção distorcida da realidade.
A Terra é uma só, os recursos são finitos e tornam-se escassos à medida que são utilizados, inclusive os renováveis, quando demandados além de suas capacidades de suporte. E esse é o fundo do poço que estamos cavando juntos, infelizmente. Apesar de todo nosso avanço no uso de novas tecnologias, novos hábitos, boas práticas e mudanças de comportamento o cenário diante dos nossos olhos não é nada bonito. A biodiversidade declina em ritmo acelerado, o clima está mudando e ameaça nossas vidas, o mar pode subir, a água pode sumir, produzir alimentos pode se tornar impossível, mais fome, mais miséria... Mesmo assim, vivemos nossas vidas despreocupados, achando que nada de pior vai acontecer. Mas vai.
Estudo recente, publicado no início deste mês por pesquisadores brasileiros na prestigiada Communications Earth & Environment, uma das revistas do grupo Nature, fez uso de modelos matemáticos para prever os efeitos do desmatamento na Amazônia.
E mostrou que o avanço na destruição das florestas, combinado com as mudanças climáticas, pode elevar as temperaturas na região em até 11,5°C e colocar a vida humana, a natureza e a economia em risco extremo. A simulação, conduzida pelos colegas Beatriz Alves de Oliveira, da Fundação Oswaldo Cruz do Piauí (Fiocruz PI), Marcus Bottino e Paulo Nobre, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), e Carlos Nobre, do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (IEA/USP), destaca que o estresse causado por exposição ao calor excessivo pode ser extremamente perigoso para humanos, incluindo condições intoleráveis para trabalhos à sombra e risco intenso de doenças causadas pelo calor; que a agropecuária brasileira, que hoje responde por boa parte do nosso PIB, perderia sua efetividade e que isso já estaria acontecendo, pois o desmatamento atual já está alterando o padrão de chuvas e a nossa capacidade de produzir alimentos (leia, no original em inglês).
Definitivamente, precisamos colocar em discussão novos padrões econômicos, sociais e culturais garantidores de nossa existência enquanto espécie. Optamos por um caminho perigoso, que talvez possa ser amenizado se buscarmos um modo de vida mais sustentável.
A sustentabilidade é um conceito de construção coletiva, baseado em princípios que alteram as atitudes individuais e o senso comum das escolhas. Mas essa é uma mudança de longo prazo, que vem sendo construída há décadas, de “baixo para cima” (bottom up) – e talvez o tempo esteja acabando. A urgência que enfrentamos agora exige medidas combinadas de transformação social, que devem ser colocadas de “cima para baixo” (top down), no melhor sentido da expressão, ou seja, pela via das políticas públicas de estímulo à economia de baixo carbono, do consumo consciente dos recursos, inclusive das fontes renováveis de energia, manutenção das florestas, dos campos e das áreas úmidas, e inclusão do Environmental, Social, Governance (ESG) em todas as áreas e etapas do processo produtivo. No fundo, bem no fundo, nossa sobrevivência depende do quanto vamos aprender com os erros e fazer as coisas de forma mais inteligente.