A Câmara dos Deputados deve começar a votar, nesta terça-feira (11), o projeto de lei que estabelece o novo marco legal para o licenciamento ambiental no país. O plenário da Casa vai analisar texto do relator da proposta, deputado Neri Geller (PP-MT), que modifica o projeto original, apresentado em 2004.
O licenciamento ambiental simplificado por adesão e compromisso, uma espécie de autolicenciamento, e a dispensa de licença para algumas categorias, como certas atividades e empreendimentos agrícolas, estão entre os pontos mais polêmicos do texto. Nove ex-ministros do Meio Ambiente emitiram uma carta para alertar sobre os danos que podem ser causados ao setor nesta segunda-feira (10).
A reportagem teve acesso à quarta versão do relatório produzido por Geller. Na tarde desta segunda, o parlamentar informou que estava fechando o texto final, que será protocolado na Câmara, destacando a possibilidade de ajustes, mas sem efeito na base do documento.
Geller e outros defensores das modificações afirmam que a proposta simplifica o sistema de licenciamento no país, deixando mais claros pontos que antes abriam margem para diversas interpretações, dificultando o processo. Entidades ligadas à causa ambiental entendem que as mudanças enfraquecem a defesa do ambiente, abrindo brecha para degradação.
— Ele traz no seu bojo algumas mudanças que foram feitas para ter, na verdade, um regramento claro. Para tirar essas 25 mil interpretações, uma legislação divergente que tem do ponto de vista de interpretação — afirma Geller.
O deputado afirma que espera não enfrentar muita resistência durante a apreciação no plenário, mas que está aberto para eventuais modificações na proposta, desde que os pleitos estejam embasados em informações técnicas.
Alguns dos pontos previstos no texto em discussão no Congresso
Dispensa de licenciamento
O texto substitutivo prevê que algumas atividades e empreendimentos ligados à agropecuária não serão sujeitos a licenciamento ambiental, desde que se encaixem em algumas regras, como adesão ao Programa de Regularização Ambiental (PRA). Entram nesse regramento o cultivo de espécies de interesse agrícola, temporárias, semiperenes e perenes, pecuária extensiva e semi-intensiva, pecuária intensiva de pequeno porte, e pesquisa de natureza agropecuária que não implique risco biológico, desde que haja autorização prévia dos órgãos competentes.
O texto do relator também prevê a dispensa de licenciamento ambiental para outras 13 categorias. Entre elas estão obras de serviço público de distribuição de energia elétrica (até o nível de tensão de 69 kV), sistemas e estações de tratamento de água e de esgoto sanitário, e empreendimentos de caráter militar previstos no preparo e emprego das Forças Armadas.
Licenciamento simplificado
O texto estabelece o chamado licenciamento ambiental simplificado por adesão e compromisso (LAC), uma espécie de autolicenciamento. Esse tipo de licenciamento pode ocorrer nos casos de atividade ou empreendimento que não sejam causadores de degradação significativa do meio ambiente, mediante algumas regras. O documento também prevê que a autoridade licenciadora deve estabelecer previamente as condicionantes ambientais da LAC que o empreendedor deverá cumprir.
Ampliação de rodovias
O projeto cita que o licenciamento ambiental para serviços e obras de ampliação de capacidade e pavimentação em “instalações já existentes ou em faixas de domínio e de servidão” será por meio de licença por adesão e compromisso. A apresentação do relatório de caracterização do empreendimento (RCE) será necessária nesse tipo. A proposta também deixa claro que esse dispositivo vale para a “ampliação ou instalação de linhas de transmissão nas faixas de domínio das rodovias, desde que haja autorização pelo órgão de trânsito responsável”.
Impacto no RS
No fim de 2019, a Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul aprovou o novo Código Ambiental do Estado, que também prevê, entre outros pontos, a Licença Ambiental por Compromisso (LAC). O projeto virou lei no ano seguinte com a sanção do governador. A presidente da Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam), Marjorie Kauffmann, afirma que o projeto em discussão no Congresso gera apreensão, principalmente na questão da isenção de licenciamento para certas atividades, como sistema de tratamento de água e esgoto.
A presidente da Fepam avalia que é necessário aguardar o que será aprovado e eventualmente sancionado para pensar na necessidade de revisão de regras seguidas pelo Estado.
— O que muda para os Estados? Uma vez aprovada, essa lei geral no âmbito federal, nós teremos que revisar todas aquelas outras diretrizes que já são dadas, inclusive dentro dos conselhos nacional ou estadual. Isso nos causa um retrabalho. Aqui no nosso Estado, nós teríamos que verificar essas atividades, principalmente aquelas que trazem como isentas, para que pudéssemos alinhar — explica Marjorie.
A presidente da Fepam entende que o texto também tem alguns avanços, como os licenciamentos simplificados e por adesão, que já são práticas dentro dos Estados, e pontos que já estão previstos em resoluções de conselhos.
Críticas de entidades
Em carta divulgada na última sexta-feira (7), o Greenpeace Brasil e outras sete entidades criticam o texto, afirmando que o projeto pretende “extinguir o licenciamento ambiental , principal e mais consolidado instrumento da Política Nacional do Meio Ambiente, destinado ao controle prévio da poluição e outras formas de degradação ambiental decorrentes das atividades humanas”.
Nove ex-ministros do Meio Ambiente também emitiram carta criticando a proposta. Segundo os signatários, o novo regramento pode causar danos ao setor caso seja aprovada pelo Congresso da forma como está.
Segundo os ex-ministros, a proposta, que não passou por nenhuma audiência pública para debate, gera "insegurança jurídica e ameaça agravar a crise econômica", pois anula ritos de licenciamento para uma série de empreendimentos, além de flexibilizar o processo em diversas áreas. O documento é assinado por Carlos Minc, Edson Duarte, Gustavo Krause, Izabella Teixeira, José Carlos Carvalho, José Goldemberg, José Sarney Filho, Marina Silva e Rubens Ricupero.
O relator do texto na Câmara não concorda com as críticas, reforçando que a proposta não prejudica a proteção ambiental e tenta viabilizar uma “legislação clara que possa tirar a sobreposição de interpretações” da legislação existente.