As cores vívidas dos corais, aos poucos, dão lugar a sedimentos esbranquiçados que deixam as colônias com um aspecto uniforme. O que era vida e um dos elementos essenciais para o ecossistema marinho torna-se uma massa amorfa e sem vida.
Um dos principais berços de biodiversidade marinha do Atlântico Sul, a região de Abrolhos, entre o sul da Bahia e o norte do Espírito Santo, enfrenta um cenário de morte em massa da espécie Millepora, conhecida como coral-de-fogo.
Os dados foram colhidos entre 16 de junho e 5 de julho em oito localidades dos municípios de Prado e Santa Cruz Cabrália, no extremo-sul da Bahia, por pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e do Aquário Marinho do Rio (AquaRio).
O levantamento apontou para a morte de 90% dos corais-de-fogo da região, incluindo colônias de mais de 80 anos. O fenômeno aconteceu de forma rápida e coloca em risco até um quarto da biodiversidade de corais na região.
— É um cenário muito grave. Passamos do sinal verde para o vermelho sem sequer passar pelo amarelo — afirma Gustavo Duarte, pesquisador da UFRJ e do AquaRio.
Segundo os pesquisadores da UFRJ e do AquaRio, a morte dos corais é resultado de uma anomalia climática nas águas da região, resultado do aquecimento do planeta que se reflete na temperatura das águas dos oceanos.
Desde 1998, já aconteceram seis episódios de aumento da temperatura média das águas do litoral brasileiro com impactos nos corais do litoral. Entre 2018 e 2019, contudo, o período de aquecimento das águas foi mais longo, chegando a três meses e acarretando em uma alta mortalidade dos corais-de-fogo.
Além da morte dos corais-de-fogo, os pesquisadores também identificaram evidências de outros tipos de corais que estão doentes ou em estágio avançado de branqueamento. Neste processo, as algas que vivem dentro do coral produzem compostos tóxicos e acabam sendo expulsas de dentro deles.
Como cerca de 80% do alimento dos corais vêm das próprias algas, por meio da fotossíntese, eles perdem sua principal fonte de energia.
— Quando acontece o branqueamento, o coral fica fraco, moribundo, quase morto. Mas ainda têm chance de voltar a viver — afirma Raquel Peixoto, professora da UFRJ e pesquisadora associada do AquaRio.
É o que está acontecendo com os corais Mussismilia hispida. Conhecido como coral-cérebro, ele é considerado uma espécie endêmica e um importante formador de recifes de coral brasileiros.
Mortos ou moribundos, os corais deixam de servir de berçário e fornecer alimento para diversas espécies marinhas que vivem na região – os pesquisadores estimam que cerca de 25% da fauna marinha local dependam diretamente dos corais marinhos.
Caso deixem de existir, há possibilidade também de consequências nos regimes de chuvas da região. Além disso, os corais não mais formarão uma barreira natural no mar do litoral do extremo-sul da Bahia, o que pode gerar impacto como erosão da costa no médio e longo prazo.
O caso é mais grave no caso dos corais-de-fogo, que, com seus galhos, ajudam a dissipar a primeira energia das ondas.
— É assustador que ele perca o seu papel funcional. É o nosso único coral ramoso que habita a frente dos recifes — afirma Gustavo Duarte.
A região do extremo-sul da Bahia já vem sofrendo com a erosão no litoral de algumas cidades como Belmonte, Prado e Mucuri. O fim dos corais, que se estendem por uma larga faixa do litoral dessa região, poderá potencializar este problema.
Para reverter o quadro de morte em massa dos corais no litoral brasileiro, os pesquisadores sugerem uma atuação em duas frentes.
A primeira seria a criação de fazendas de corais, seguindo a mesma lógica dos viveiros de mudas para reflorestamento da mata nativa.
Nestas fazendas, seriam cultivados os corais-de-fogo que resistiram à morte e que, por isso, são considerados naturalmente resistentes. Eles serviram como doadores de microfragmentos para a reprodução da espécie e repovoamento futuro da região.
Já os corais que enfrentam o processo de branqueamento podem ser tratados com probióticos – compostos produzidos a partir dos microrganismos colhidos nos próprios corais e que têm potencial para reduzir taxas de mortalidade.
As equipes de pesquisadores da UFRJ e do AquaRio vêm se debruçando desde 2016 no desenvolvimento destes probióticos, com resultados considerados promissores.
— É essencial uma iniciativa coordenada para proteger e recuperar as colônias de corais. Temos que agir rápido ou os danos podem ser irreparáveis — diz a professora Raquel Peixoto.