Em visita ao Rio Grande do Sul a partir desta quinta-feira (11), o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, deve esclarecer como será a concessão à iniciativa privada da exploração de serviços em quatro parques e florestas localizados na Serra: Floresta Nacional de Canela, Floresta Nacional de São Francisco de Paula e o Núcleo de Gestão Integrada (NGI) Aparados da Serra Geral, em Cambará do Sul (que compreende o Parque Nacional de Aparados da Serra, onde está o Cânion Itaimbezinho, e o Parque Nacional da Serra Geral, localidade do Cânion Fortaleza).
A reportagem de GaúchaZH visitou as duas unidades de parques nacionais de Cambará do Sul nesta semana. É difícil assegurar que a falta de infraestrutura nos dois locais prejudique completamente o passeio. Pelo menos é a sensação que boa parte das centenas de visitantes que se deslocam diariamente aos parques transmitem: as paisagens cinematográficas acabam suprindo a precaridade na estrutura. Ainda assim, torna-se fácil perceber quais são as dificuldades que a possível concessão à iniciativa privada terá que driblar, já que a expectativa de receber até 1 milhão de visitantes precisará atender à demanda mínima de que os banheiros, ao menos, abram as portas sem a maçaneta quebrar na mão do visitante — experiência que a reportagem presenciou nesta terça-feira (9), quando visitou as unidades Aparados da Serra e Serra Geral.
O episódio aconteceu no parque Aparados da Serra, onde fica o cânion mais popular, o Itaimbezinho. Isto porque no Serra Geral, onde está o espetacular Cânion Fortaleza, sequer há toalete. É por isso que quem vai até os parques já chega preparado para enfrentar uma experiência, no mínimo, diferente.
— Nós entramos no parque falando: não é possível que algo tão grande, com coisas tão lindas, tenha somente um porteiro lá no início e não seja cobrado nada para manter esse lugar todo. E se acontecer algo, alguém se machucar, for assaltado? Não há um guarda florestal aqui — aponta a psicóloga Adriana Gomes, que viajou de Brasília para conhecer o Cânion Fortaleza.
Diferenças de estrutura
O Parque Aparados da Serra sustenta uma estrutura básica com quatro recepcionistas e equipe do ICMBio. Há também atendente que fornece informações básicas sobre as duas trilhas disponíveis dentro da unidade, banheiros e bebedouro. Placas com instruções sobre as caminhadas estão distribuídas ao longo das trilhas — no entanto, há algumas tão desgastadas em que é difícil até identificar o que está escrito.
Ainda que com precariedade, a estrutura do Aparados da Serra é bem mais completa do que a do Serra Geral. A diferença começa já no caminho. Os 23 quilômetros que ligam o centro de Cambará do Sul ao Parque Serra Geral costumam exigir mais paciência do motorista. Sete não são asfaltados e estão em péssimas condições de conservação — o acesso ocorre pela CS-012, estrada municipal. É preciso de ainda mais cuidado ao volante porque não há sinal de telefonia para pedir ajuda caso aconteça qualquer imprevisto.
No Parque Aparados da Serra, apenas um dos 18 quilômetros é asfaltado. No entanto, há melhores condições de trafegabilidade do que no parque vizinho. O acesso ao Aparados da Serra é feito pela estrada estadual RS-427. Ainda que não seja de responsabilidade federal a conservação dessas duas estradas, em entrevista à Rádio Gaúcha, o ministro do Meio Ambiente confirmou a possibilidade de parcerias com Estado e município para manutenção dos trajetos na concessão.
Outro ponto importante que interfere no passeio é a falta de placas ou de cordões de isolamento no Parque Serra Geral. Não é possível saber qual a distância da íngreme trilha que dá acesso ao Cânion Fortaleza nem qual o limite de passos que o visitante pode dar na borda das rochas. Não há sequer cordão que delimite os paredões. É justamente por conta de tantos déficits que o público identifica benefícios na concessão à iniciativa privada. No término do passeio ao Itaimbezinho, o casal carioca Ricardo e Francis Cruz enumerava elogios às paisagens, mas era enfático ao dizer que melhorias podem alavancar a visitação.
— Isto tudo está escondido da maior parte dos brasileiros. É muito mais bonito do que o Grand Canyon (no Estado do Arizona, nos Estados Unidos) porque lá é somente uma paisagem que você vê. Aqui não, tem diversos atrativos. A diferença é que não tem estrutura e, por isso, ninguém divulga. É inadmissível que algo tão bonito esteja escondido do resto do país—defende Ricardo.
Alezir da Silva Vieira, guia turístico, é quem conduzia o casal de Niterói. Ele admite que a concessão divide opiniões de profissionais que sobrevivem do turismo da região — isto porque o processo de visitação nos parques deve mudar com a gerência da iniciativa privada. No entanto, ele está otimista com as mudanças:
— Há uma divisão muito grande do nosso setor porque temos medo de não poder mais atuar. São 36 grandes cânions que poderão ser explorados na região inteira, e o cálculo é simples: quanto mais gente visitando Cambará, mais interessados em conhecer esses outros cânions.
Preservação é um ponto importante para visitantes
O equilíbrio entre sustentabilidade financeira e preservação da natureza preocupa alguns visitantes e profissionais que sobrevivem do turismo. Ainda que com estrutura precária, é possível observar não só a formação geológica que resulta nos paredões de pedra: o passeio rende a apreciação de animais exóticos. O parque é morada de papagaio-de-peito-roxo, jaguatirica, guaxinim e leão-baio.
— Não acho que o fato de ter um banheiro mais simples ou falta de lanches para venda sejam problemas tão grandes assim. Os meus alunos puderam ir ao banheiro aqui e vieram com lanches na mochila, sem precisar comprar. Somos seres urbanos que se adaptam. Se o poder público quisesse, as melhorias poderiam já ter sido feitas sem grandes investimentos. Na concessão, você acaba restringindo o acesso ao cobrar ingresso — defende o professor de geografia Felipe Costa, que levava uma turma de 32 alunos do Ensino Médio, de Porto Alegre, para visitação.
Retornando da caminhada após 1h45min de trilha, acompanhada da mãe, a carioca Carla Marin ficou surpresa com o anúncio de concessão dos parques de Cambará. E foi enfática: é preciso interferir o mínimo possível na estrutura ambiental.
— Achei tudo muito cênico, visual incrível. Podia ter uma estrutura bacana, sim, mas é preciso lucrar de uma forma sustentável. A privatização não resolve o problema, ela privatiza o benefício e exclui muito. Você até tem o retorno de uma estrutura melhor, mas exclui muito o acesso à população. Sem falar que, não necessariamente, vai ter uma consciência sustentável. E exemplos disso não faltam — atenta.