Talvez ao usar o nome da cidade você não ligue diretamente ao que ele significa. Talvez por isso a prefeitura de Cambará do Sul use o epíteto Terra dos Cânions para qualificá-la. São a principal atração, pois, os cânions, neste lugar a 980 metros de altitude, um dos mais frios e mais bonitos do Brasil. Em determinada época, entrou no meu roteiro e a visitei repetidas vezes. Desta vez, em fevereiro, fazia mais de uma década que não ia. A cidade, em si, não mudou muito. Mas chamam atenção a melhoria nas opções de hospedagem, a iluminação da rua principal - tudo acontece na Avenida Getúlio Vargas -, revitalizada, e a proximidade entre as agências que trabalham com turismo de aventura - uma ao lado da outra, na mesma Getúlio.
A dificuldade do acesso aos principais pontos, o Itaimbezinho e o Fortaleza, se mantém. Por isso, para ir ao segundo, contratei um dos serviços de transporte com guia, mesmo conhecendo os locais. Foi uma decisão acertada: chegar com um carro sem tração nas quatro rodas pode ser difícil, dependendo das condições climáticas. Não era a intenção, desta vez, o turismo de aventura (há muita oferta), mas apresentar a uma pessoa que nunca tinha ido as principais atrações.
O clima é um item importante a ser considerado para se ir aos parques nacionais dos Aparados da Serra e da Serra Geral - ainda que o nevoeiro possa gerar imagens lindas, você pode se decepcionar ao não avistar o cânion propriamente dito. Recomendo que a visita seja feita em três dias, pelo menos. São 207 quilômetros a partir de Porto Alegre, mas as distâncias e as estradas de chão a percorrer entre os cânions fazem tudo ficar mais demorado. Confira abaixo como eu fiz minha visita:
1 - Paradas no caminho
Como sempre faço no trajeto (via BR-116, RS-239 e RS-020), há paradas estratégicas. Primeiro, na RS-239, em Araricá, para café no Santo André. Depois, almoço no Castelli Resto Pub, em São Francisco de Paula, onde uma moranga recheada com camarões e a truta me arrebataram. Ah, antes, caminhada à volta do Lago São Bernardo e passeio de triciclo. Na volta, eu pararia de novo, para comprar "mantimentos" no Sítio Fruto da Terra (km 74 da RS-020) e receber o abraço (e as flores) do Daniel, que produz ali quase tudo o que é vendido.
2 - Uma pousada
A chegada a Cambará acabou sendo lá pelas tantas da tarde. Passei na agência com a qual tinha feito contato para garantir o passeio do dia seguinte, dei uma circulada na cidade e me instalei na pousada, a Cafundó, a 10 quilômetros do centro. Com atendimento familiar, é um lugar rústico e de bom gosto. Na entrada, um pequeno café/bistrô para o qual é sempre preciso agendar, já aviso. O interior das suítes, com mezanino, é bem confortável, e adaptado para o frio: vidros duplos, aquecimento e rouparia adequada. E com vista para o lago! Você fica com as chaves o tempo todo, abre e fecha o portão na chegada, tem o café da manhã servido no quarto e à disposição uma sala coletiva para leitura, para fazer chá, café ou chimarrão. No dia da chegada, oferecem uma tábua de frios e uma garrafa de vinho. Gostei do sistema adotado, aliás: tudo o que há no frigobar já está incluído na diária (sucos, água, refrigerantes). Informações: pousadacafundo.com.br
3 - Trilha e mirante do cânion Fortaleza
Combinei de me buscarem na pousada para ir até o Fortaleza, no Parque Nacional da Serra Geral (pelo transporte e guia, paguei R$ 64 por pessoa, mas, para entrar no parque, não se paga nada). Antes de chegar ao mirante, fiz uma trilha leve, de cinco quilômetros, até a Cachoeira do Tigre Preto e a Pedra do Segredo. Não é obrigatório fazer o roteiro com guia, mas achei ótimo ter ido com um. Sozinha, talvez tivesse empacado na travessia do rio e sequer veria de frente a bela cachoeira. A Pedra do Segredo, que pode até decepcionar diante da grandeza de tudo, é um bloco monolítico com cinco metros de altura e 30 toneladas, equilibrado em uma base de 50 centímetros. Voltando à estrada principal, segue-se de carro até o estacionamento de acesso ao mirante. Confesso ter me assustado com a quantidade de carros naquele domingo. Em consulta à prefeitura, me informaram que 118 mil pessoas visitaram o Itaimbezinho, o mais acessado, em 2017. Uma coisa que observei entre os visitantes é que muitos chegam sem ter muita noção do lugar: usam sandálias, roupas pesadas, ignoram proteção na cabeça. Básico: roupas leves, tênis ou calçado para trekking, chapéu, água e protetor solar! Uma vez lá em cima, tudo isso é esquecido: a vista da cachoeira, a imensidão aos pés, os paredões com até 700 metros de altura…
4 - Almoço no parador
Após o passeio da manhã, tinha reserva para almoço no Hotel Parador Casa da Montanha, para onde é sempre bom voltar, a caminho do Itaimbezinho. Fica a oito quilômetros de Cambará, por estrada de chão em condições razoáveis. Charmoso, rústico, confortável são alguns dos adjetivos usados pelo hotel na divulgação. E é tudo isso mesmo. A refeição tem o melhor da comida gaúcha, o feijão fica num fogão de tijolos de barro, você se serve à vontade e há cuidado nos mínimos detalhes (observe na foto menor como é servido um simples suco). Depois da comilança, apetece um bom passeio pelos arredores do hotel, pela beira do Rio Camarinhas. Mesmo que você não esteja hospedado, que era o meu caso, o pessoal do Casa da Montanha o deixa bem à vontade para visitar as instalações, inclusive o Spa L'Occitane instalado em uma construção com janelões com vista para as belas paisagens dos Campos de Cima da Serra. Informações: paradorcasadamontanha.com.br
5 - "Corrida" até o Itaimbezinho
Para encerrar o dia, uma "corrida" de oito quilômetros até o Itaimbezinho, o mais conhecido dos cânions e que oferece infraestrutura um pouco melhor ao turista. Prepare-se para o restante do trajeto entre o Casa da Montanha e o parque: mesmo com tempo bom, a estrada é precária (quando é que vão finalmente asfaltar esse trecho?!). A entrada só é permitida até as 15h para quem quiser fazer a trilha do Cotovelo e até as 17h para a do Vértice. Como cheguei às 16h30min, só deu para cumprir o básico em uma hora. Foi o suficiente para encher os olhos com essa paisagem tão marcante quando se fala em Rio Grande do Sul. E também para conferir o quanto falta de cuidado em um lugar tão bonito: bastaria um pouco mais de capricho, pintura, limpeza para dar um outro astral. Ainda assim, vale o passeio. Eu encerraria o dia com um "piquenique" na pousada, mas antes não resisti ao Boteco Vento da Costa (foto abaixo), para petiscar e tomar uma cerveja artesanal.
Ficou para outra vez
Queria ter conhecido o Sítio Querência Macanuda, onde são produzidos geleias e antepastos da Sabores da Querência (no km 3 da RS-427). Cheguei tarde demais e já estava fechado (nos sábados, domingos e feriados, abre das 9h às 17h30min).
Também ficou para a próxima vez A Taberna (Rua Dona Úrsula, 941), uma panquecaria localizada bem em frente que inclui no cardápio camarão e filé de truta na moranga que me fizeram ficar com água na boca.