A precariedade na estrutura dos dois parques nacionais em que ficam os cânions mais famosos do Estado, em Cambará do Sul, é tão notável quanto as belezas desafiadoras ao turista. No entanto, a previsão de concessão dos serviços dos parques Aparados da Serra e Serra Geral, onde ficam os cânions Itaimbezinho e Fortaleza, chega com a promessa de reverter este desanimador cenário estrutural. Afinal, falta quase tudo nos parques em que milhares de turistas chegam, principalmente, nas férias de inverno: de placas a guias turísticos e até simples sanitários.
A ideia é que o edital para licitação das empresas prestadoras dos serviços seja publicado ainda neste ano, e em 2019, os parques recebam aporte e gerenciamento como já acontece em atrativos maiores, como nas Cataratas do Iguaçu, no Paraná, por exemplo.
Os dois parques são geridos pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, o ICMBio. Autarquia vinculada ao Ministério do Meio Ambiente, o instituto tem a missão de preservar o patrimônio natural – o que, ao menos, é garantido no Aparados da Serra e no Serra Geral. Mas a escassez dos serviços e da própria manutenção colocou em risco até mesmo a abertura dos parques.
No fim de 2016, o instituto chamou a comunidade, adiantou os planos de fechamento dos parques e recebeu ajuda pública. No entanto, o argumento dos membros do ICMBio é de que o corte de verbas do governo federal dificultou simples obras de manutenção: até salários de funcionários atrasaram. Por isso, a transferência dos serviços da iniciativa pública para a privada se torna cada vez mais alternativa consolidada, como conta o coordenador geral substituto de Uso Público e Negócios do ICMBio, Fabio Araújo.
— A estratégia é buscar parcerias com a iniciativa privada para aumentar os serviços de apoio à visitação, o que aproxima as pessoas do parque e as torna aliados da conservação. Não precisa uma única empresa ser a que presta todos os serviços, podem ser várias prestadoras. Uma para cada serviço — explica.
A primeira etapa do projeto para as concessões saírem do papel ocorreu neste ano, quando empresários e membros do Conselho Municipal de Turismo foram apresentados ao estudo de viabilidade encomendado pelo ICMBio. A equipe trabalha agora na elaboração do edital de licitação. Antes da publicação, o projeto final será apresentado à comunidade via consulta pública.
Sete parques nacionais, também sob gestão do ICMBio, já estão com editais de concessão prontos – nenhum deles está no Rio Grande do Sul. As sete unidades de conservação terão editais para concessão de serviços como transporte interno, alimentação, hospedagem, atividades de aventura, venda de produtos com a marca da unidade, estacionamento, entre outros.
"É um dos grandes sonhos do município"
A iniciativa para o processo de concessões foi possível em razão da aprovação da Lei nº 13.668/2018, que mudou a legislação para a concessão de serviços de apoio ao uso público nas unidades de conservação. A prefeitura de Cambará do Sul tem acompanhado de perto a movimentação que definirá o rumo dos parques. O prefeito José Silvestre Schamberlaen diz que o assunto é discutido há anos, mas tomou forma diante das apresentações à comunidade. A prefeitura só enxerga benefícios com a mudança.
— É um dos grandes sonhos do nosso município. Sempre sonhamos que os nossos parques nacionais copiassem modelos de outros maiores, que acabam sendo grandes indutores para as regiões onde se instalaram, como Foz do Iguaçu (PR) e Tijuca, no Rio de Janeiro. Nós esperávamos há muito tempo por essa medida — afirma o prefeito.
Enquanto o projeto de concessão não sai do papel, a prefeitura se compromete a entregar o acesso ao cânion Fortaleza, estrada de responsabilidade municipal, em melhores condições. Atualmente, esse é um dos maiores entraves para a locomoção até o parque Serra Geral.
— Nós criamos um projeto de reestruturação da estrada, colocando material no terreno bruto. O município já asfaltou 14 quilômetros, a meta é entregar até o portão do parque —promete.
A maioria dos guias não concorda com algumas mudanças no interior do parque por uma questão de mercado. Temos receio de perder mercado se os parques ficarem mais autoguiáveis
LEVI DE LIMA FERREIRA
Guia turístico e empresário
Quem promete acompanhar de perto o projeto de concessão são os guias turísticos e responsáveis por empresas que sobrevivem do turismo de aventura. Enquanto a rede hoteleira apoia a iniciativa, há empresas de turismo contrárias. É por uma questão de reserva de mercado, afirma o guia turístico e empresário Levi de Lima Ferreira:
— A maioria dos guias não concorda com algumas mudanças no interior do parque por uma questão de mercado. Temos receio de perder mercado se os parques ficarem mais autoguiáveis.
Empresários assumiram pequenas melhorias
Em meados de 2016, quando empresários e lideranças do setor turístico de Cambará foram convidados a agir em prol dos parques nacionais, a resposta foi imediata. A Associação de Empreendedores Turísticos de Cambará do Sul (Aeturcs) assinou um termo de cooperação e capitaneou a campanha Somos Todos Parque.
Os 38 empreendimentos associados comprometeram-se em fazer reparos e garantir o funcionamento dos dois parques, já que boa parte dos 220 mil visitantes que passam por Cambará todos os anos chegam lá para conferir as belezas dos cânions Itaimbezinho e Fortaleza. Portanto, não era hora de correr o risco de fechamento.
— Começamos com uma ajuda a curto prazo que se tornou quase que rotineira, então formalizamos um termo de acordo, que foi interrompido pelo ICMBio em janeiro neste ano, por questões operacionais da própria autarquia. Estamos esperando uma resposta deles para seguir as atividades — afirma o presidente da Aeturcs e do Conselho Municipal de Turismo, Paulo Eduardo Macedo Ferretti.
Foi mais de um ano em que pedágios solidários, vendas de camisetas e rifas e até vaquinhas entre os empresários ajudaram a pagar itens importantes aos parques. Exemplo: graças aos empresários, a ponte que permite a carros acessarem o parque Aparados da Serra foi reformada. Para os empresários, o investimento foi de pouco mais de R$ 10 mil.
— O ICMBio nos contou que o orçamento que eles fizeram custava mais de R$ 70 mil. E eles não teriam condições de pagar. Enquanto isso, a ponte estava apodrecendo — lembra Paulo.
Os empresários já reuniram-se com as equipes do instituto e tiveram noções básicas de como funcionarão as concessões. Por ora, o setor aprova a mudança e vive a expectativa de um turismo ainda mais consolidado em Cambará do Sul.
— Acreditamos que a inclusão das empresas daqui nesse processo é bem importante. Apresentamos um documento com essa preocupação, esperando que eles incluam as empresas da nossa região nesse processo importante — encerra Ferretti.
Turistas enxergam abandono
Estima-se que o número de visitantes em Cambará do Sul tenha saltado dos 40 mil, há 10 anos, para os 220 mil. Os maiores responsáveis pelo crescimento são os dois parques. A estrutura, no entanto, é tão precária que os visitantes se queixam por questões básicas: a ausência de um banheiro em boas condições, a falta de disponibilidade de bebedouro, a impossibilidade de fazer uma refeição no ambiente.
O advogado Rafael de Andrade e a administradora Gabriele Alves são da Região Metropolitana de Porto Alegre e passaram na última terça-feira (3) pelo parque onde fica o cânion Itaimbezinho. Um dia antes, visitaram o Fortaleza.
— Não é recomendável fazer o cânion Fortaleza sem um guia turístico. Não tem uma placa lá. Esses cordões aqui, que protegem o visitante na beira do cânion, também não existem por lá. É lindo demais, mas precisa de mais condições — opina Gabriele.
Os parques nacionais de Cambará foram a última parada turística do casal de aposentados Aloísio Barbosa e Terezinha, de Belo Horizonte (MG). Eles haviam visitado também os municípios de Bento Gonçalves, Gramado e Canela. Ainda que soubessem que a estrutura seria precária — ou quase inexistente — nos parques, resolveram arriscar o passeio. Não se arrependeram do que viram, mas afirmam que a visita poderia ter sido ainda melhor.
Não é recomendável fazer o cânion Fortaleza sem um guia turístico. Não tem uma placa lá. Esses cordões aqui, que protegem o visitante na beira do cânion, também não existem por lá. É lindo demais, mas precisa de mais condições
GABRIELE ALVES
Turista
— O que a gente vê aqui é que não tem administração. Se fosse cobrado R$ 1 por visitante, a renda seria contínua e poderia pagar funcionários e um mínimo de estrutura. Sem falar na estrada, que precisa ser melhor conservada — afirma Aloísio.
SAIBA MAIS
- A ideia é de que os dois parques de Cambará – Serra Geral e Aparados da Serra – sejam geridos por uma ou mais empresas. O projeto contempla a cobrança de ingressos, criação de estacionamento, centro de visitantes, loja e lanchonete. Há possibilidade de instalação de camping também.
APARADOS DA SERRA
- É no Parque Nacional Aparados da Serra que fica o cânion Itaimbezinho, o mais famoso da cidade. O parque está distante 18 quilômetros do centro de Cambará do Sul. Os paredões do cânion medem 5,8 quilômetros de extensão e 720 metros de profundidade.
- A visitação ocorre de terça a domingo. Na parte de cima, podem ser realizadas duas trilhas: a do Vértice e a do Cotovelo. Há espaços para piqueniques e mirantes para a contemplação dos paredões e das cachoeiras.
- O parque fica nas divisas dos Estados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina, já que pertence, além de Cambará, ao município de Praia Grande.
Situação atual
ESTRADA: dos 18 quilômetros de acesso ao parque, apenas um é asfaltado. É preciso atenção e paciência, já que a estrada de chão tem pedras que podem danificar o carro. Leva-se cerca de 40 minutos para percorrer esses 18 quilômetros.
ESTRUTURA: ainda que seja o parque mais equipado, a precariedade está presente em todos os itens. Os bancos espalhados pelo caminho estão, em sua maioria, deteriorados. O ingresso deixou de ser cobrado e há apenas um guarda na guarita que toma nota do nome de quem está ingressando no parque. Há banheiro e bebedouro, e estagiários fornecidos pela prefeitura para dar informações aos visitantes. Não há local para compra de lanches.
SEGURANÇA AO VISITANTE: há cordões e placas que sinalizam que não devem ultrapassar nas bordas dos cânions, mas estão em péssimo estado de conservação. A prudência do visitante se torna obrigatória, portanto.
SERRA GERAL
- É no parque Serra Geral, a 23 quilômetros do centro da cidade, que fica o cânion Fortaleza, considerado o mais exuberante. A grandiosidade do cânion impressiona: são 7,5 quilômetros de extensão, 2 mil metros de largura e uma altitude de 1.240 metros acima do nível do mar.
- Para chegar ao cânion, é preciso percorrer uma caminhada de 3,2 quilômetros. Há também outras duas trilhas, da Cachoeira do Tigre Preto (dois quilômetros) e Pedra do Segredo (2,7 quilômetros).
- O parque foi criado em 1992 e fica aberto diariamente, das 8h às 17h. Até 18h, todo visitante precisa deixar o local. Ele fica no limite dos municípios de Cambará do Sul e Jacinto Machado (SC).
Situação atual
ESTRADA: o acesso ocorre pela CS-012, estrada municipal que é uma continuidade da avenida principal, a Getúlio Vargas. Dos 23 quilômetros, cerca de sete ainda não estão asfaltados e estão em péssimo estado de conservação. Para se ter ideia, são necessários quase 40 minutos para percorrer esses sete quilômetros. A exigência de cuidado ao volante fica ainda maior já que não há sinal de telefonia para pedir ajuda no caso de algum estrago no carro.
ESTRUTURA: não há qualquer estrutura ao visitante, exceto um banheiro que fica na guarita de entrada. Um vigia é responsável por anotar o nome do condutor dos automóveis. Não há cobrança de entrada ou estacionamento. Leve água para beber na trilha, já que sequer bebedouro há no espaço. Não há placas que indiquem distância ou periculosidade da trilha.
SEGURANÇA AO VISITANTE: não há cordões de isolamento no cânion Fortaleza que impeçam o visitante de chegar à borda, nem informações sobre o percurso para evitar que o caminhante se perca, por exemplo.