Buzinas, barulho de motores de carros, tempo perdido e estresse. O motorista que disser nunca ter enfrentado uma situação assim no trânsito com certeza não circula diariamente pela região metropolitana de Porto Alegre. Principalmente em horários de pico, é comum ficar parado em congestionamentos e pontos de lentidão nas principais vias da Capital e cidades do entorno.
O problema é que os motoristas que enfrentam trânsito trancado costumam passar pelo mesmo trajeto, todos os dias, no mesmo horário. Isso faz com que acumulem horas de tempo perdido, parados em congestionamentos. A situação até chegou a ser diferente durante o período de restrições provocadas pela pandemia, mas bastou as atividades econômicas serem retomadas para que uma grande quantidade de veículos voltasse a circular diariamente pelas ruas.
Diante desse problema, em 28 de setembro, GZH publicou um questionário convidando os leitores e os ouvintes da Rádio Gaúcha a contar quais são os principais problemas que enfrentam diariamente em seus deslocamentos. Em poucos dias, foi possível verificar grande adesão: até 4 de outubro, quando o questionário foi encerrado, GZH havia recebido 63 respostas. Dessas, 40 traziam um problema em uma rodovia ou ponto específico, o que corresponde a 63,5% do total. As outras 23, que correspondem a 36,5%, informaram sobre transtornos de forma mais geral, como descumprimento das leis de trânsito, falta de ciclovias, excesso de buracos em vias da Capital, falta de sinalização ou alta velocidade, sem citarem trechos específicos.
A partir dos relatos, GZH selecionou os cinco trechos que mais receberam reclamações. Ao longo de outubro, a reportagem conversou com os leitores, percorreu pontos de congestionamentos e ouviu os órgãos responsáveis para entender de que forma os problemas impactam na rotina dos motoristas e o que pode ser feito para amenizar a situação, facilitando os deslocamentos diários.
Os cinco pontos mais citados:
- BR-116: os tradicionais congestionamentos na ponte sobre o Rio dos Sinos, em São Leopoldo
- Avenida Assis Brasil: nos fins de tarde, lentidão se estende até a freeway
- RS-040 e Avenida Bento Gonçalves: arranca e para diário no deslocamento de Viamão para Porto Alegre
- Plínio Brasil Milano e Terceira Perimetral: as rotineiras filas em horários de pico
- Avenida Vicente Monteggia: além dos pontos de lentidão, buracos atrapalham o trânsito
O que é o jornalismo de engajamento, presente nesta reportagem?
É uma prática jornalística que coloca o público como protagonista da notícia, criando uma troca positiva e impactante na comunidade. Queremos abrir ainda mais espaço para que você, leitor, possa participar da construção do nosso conteúdo desde a concepção até o feedback após a publicação.
Como engajamos o público?
Convidamos nossos leitores a participarem da construção do conteúdo pelas redes sociais, monitoramos o que é discutido nos comentários das matérias e publicamos formulários que dão espaço a dúvidas e sugestões.
O desafio de planejar a cidade
Reduzir os congestionamentos e melhorar os deslocamentos nas cidades são desafios para os gestores. Entre os obstáculos está o sistema viário planejado há décadas — e que não mais comporta o grande volume de veículos —, a captação de recursos e a necessidade de pensar uma cidade para todos.
— Enquanto não encaminhamos a solução de estruturação como um todo, a gente tem que resolver problemas pontuais. Sempre tem, ou quase sempre tem, alguma coisa que possa ser feita nessa visão de curto e médio prazo: deslocamento de postes, alargamentos, sinalizações. Quando não tem mais o que fazer, a gente pensa na estruturação viária como um todo, que é o conjunto da obra. A gente tem que prever uma cidade que vai funcionar com transporte coletivo, com ciclovia, com passeios (para pedestres), acessível para transporte de cargas e para o carro particular. Tem que ter espaço para todo mundo — explica a diretora de Mobilidade Urbana da Secretaria Municipal de Mobilidade Urbana da Capital, Carla Meinecke.
Durante a pandemia, o fluxo de veículos diminuiu nas principais vias de Porto Alegre, e a retomada se deu de forma diferente da esperada. Os dados de controladores eletrônicos apontam que o movimento dentro da cidade ainda está entre 5% a 10% inferior ao pré-pandemia, mas as entradas da cidade registram, em média, um aumento de 15% no deslocamento de veículos particulares. Segundo Carla, a justificativa mais provável é que, mesmo com o alto preço da gasolina, parte da população aderiu ao carro por motivo de segurança pessoal e distanciamento.
O uso de outros meios de deslocamento, como bicicletas e transporte coletivo, são apostas para diminuir o número de carros nas ruas e, consequentemente, os congestionamentos. No caso dos ônibus, a discussão sobre a qualidade e sobre o modelo de gestão se estendem há anos e ganharam força em 2021, com a aprovação de mudanças no transporte público — em setembro, a Câmara Municipal da Capital aprovou a desestatização da Carris e a retirada da obrigatoriedade dos cobradores, e a prefeitura ainda busca mudanças nas isenções.
Professor da Escola Politécnica da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), Rafael Roco de Araújo lamenta o fato de Porto Alegre não ter levado adiante a ideia de implantar o sistema BRT (Bus Rapid Transit), que chegou até a ser anunciado:
— Nós temos uma miscelânea de linhas, um monte de quilometragem com poucos passageiros, um sistema caríssimo e muitos ônibus com baixa produtividade. Enquanto não sair disso, vamos continuar com essa encrenca. Em Porto Alegre, tudo converge para o Centro, e a cidade, hoje, tem outros polos de desenvolvimento. É preciso ter linhas alimentadoras para pegar os passageiros nos bairros e levar para pontos de embarque que levem a áreas principais. Nós já temos vários corredores de ônibus na cidade, já temos uma certa base em termos de estrutura, mas é preciso reconfigurar o sistema — opina.
— O desafio do transporte coletivo pós-pandemia é equilibrar o sistema, tentar atrair mais usuários, dar mais qualidade. É melhorando aqui e ali, melhorando horários, agregando o que temos de mais moderno, que a gente vai melhorando o sistema — acrescenta Carla Meinecke.
O engenheiro e doutor em Transportes João Fortini Albano lembra que a sociedade também tem o seu papel: assim, os usuários devem avaliar se deslocar por diferentes meios de transporte e, sempre que possível, buscar trajetos alternativos e horários de menor movimento:
— Por que ir no pico, se, muitas vezes, podemos planejar melhor nossos horários de circulação? É claro que isso passa por uma iniciativa própria dos usuários, mas também das empresas, que devem pensar em horários alternativos para as jornadas de trabalho. Além disso, assim como é papel do gestor melhorar o transporte coletivo, também é papel do usuário estudar a possibilidade de alterar seu modo de transporte.
O que é jornalismo de soluções, presente nesta reportagem?
É uma prática jornalística que abre espaço para o debate de saídas para problemas relevantes, com diferentes visões e aprofundamento dos temas. A ideia é, mais do que apresentar o assunto, focar na resolução das questões, visando ao desenvolvimento da sociedade.