O futuro da placa padrão Mercosul segue incerto no Brasil. Crítico do modelo desde a campanha eleitoral, o presidente Jair Bolsonaro chegou a anunciar, durante transmissão ao vivo nas redes sociais em 14 de abril, que o governo estudaria medidas legais para barrar a instalação do novo sistema de identificação nos carros brasileiros.
— Vamos ver se a gente consegue anular essa placa do Mercosul. Não traz benefício para o Brasil essa placa. É um constrangimento. Uma despesa a mais para a população — disse na ocasião.
De maneira menos radical, o governo federal prepara uma série de mudanças no processo. A principal modificação prevista atinge os veículos que devem obrigatoriamente receber a nova placa. A União defende que a regra valha apenas para automóveis zero-quilômetro ou em casos de extravio, furto, roubo ou dano do produto, enquanto veículos já emplacados no modelo antigo não precisariam adotar a placa Mercosul.
Nos últimos dias, o Departamento Nacional de Trânsito (Denatran) encaminhou aos departamentos estaduais de trânsito um documento com as propostas de mudanças. Além da modificação de implantação da placa padrão Mercosul, o Denatran também sugere alterações na placa em si, como o fim da retrorrefletividade (película aplicada sobre as chapas, que muda de cor conforme o ângulo de visualização) e das ondas sinusoidais (espécie de marca d'água aplicada sobre os caracteres e a borda da chapa).
Os Detrans têm até a próxima quarta-feira (15) para apontar sugestões ou contestar trechos da minuta modelo. O adiamento do prazo final para implantação da nova placa no país também está nos planos, pulando de 30 de junho para 31 de dezembro deste ano.
O Detran-RS encaminhou dois técnicos a Brasília para tratar do assunto junto ao governo federal. O diretor-geral do órgão no Estado, Enio Bacci, avalia que a minuta-modelo é razoável, mas discorda da coexistência dos dois modelos:
— O que ela tem de inconsistente e que fica impossível de viabilizar é a proposta de manter coexistindo as duas placas de forma perene. Tem de dar preferência à placa Mercosul ou à placa anterior.
Bacci entende que a manutenção dos dois tipos de identificação veicular causaria prejuízo aos fabricantes de placa, que teriam de retomar o emplacamento pelo modelo antigo. A minuta do Denatran prevê que "os veículos em circulação poderão aderir voluntariamente ao novo modelo, por ser de âmbito nacional". Automóveis com a placa antiga e que precisam passar pelo processo de mudança de município, por exemplo, teriam de trocar apenas a tarja que leva o nome da cidade e a sigla do Estado, como era adotado anteriormente. Isso, no entanto, poderia gerar custos a emplacadores que já se adequaram ao novo padrão.
O presidente da Associação Gaúcha de Fabricantes de Placas de Identificação Veicular, Eduardo Horst, diz que a entidade está analisando o posicionamento do governo sobre as alterações no sistema, mas que a coexistência dos padrões distintos não é a melhor saída:
— A existência dos dois sistemas não deixa de ser complicado. Vai gerar mais insegurança para o sistema.
Horst diz que os fabricantes e estampadores conseguem se adaptar à coexistência dos dois modelos. No entanto, reconhece que as empresas que se desfizeram do maquinário antigo podem ter mais custo para se adequar aos dois tipos de serviço. Segundo o presidente da associação, o investimento médio de cada fabricante para se adequar ao padrão Mercosul foi de cerca de R$ 75 mil. O valor leva em conta a soma da prensa (R$ 45 mil), que faz a leitura da placa e certifica a estampagem, o conjunto alfanumérico (R$ 16 mil) e a máquina para pintura (R$ 14 mil).
O doutor em transportes e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) João Fortini Albano entende que a coexistência dos dois modelos causa confusão. Ele destaca que, caso o governo coloque em prática as alterações, retirando a retrorrefletividade e as ondas sinusoidais da identificação, o Brasil teria, na prática, três placas diferentes em circulação:
— Na verdade, são três modelos. A cinza, a branca atual e esse nova que eles pretendem lançar.
Apesar de entender que a instituição de trânsito no país perde credibilidade com esse tipo de reviravolta, Albano faz uma série de críticas à placa Mercosul. O especialista não vê nenhum benefício do modelo para a segurança no trânsito e enumera entre os problemas das placas a difícil diferenciação de alguns caracteres e o fim da identificação de Estado e município no objeto:
— Nós perdemos a identidade. Qualquer veiculo com emplacamento antigo era do Rio Grande do Sul, era de Porto Alegre, de Garibaldi, de Caxias. Enfim, tinha um foco na origem, na procedência daquele veículo. Hoje, não temos mais identidade.
Proprietários não serão afetados
Quanto à possibilidade de danos aos proprietários de veículos que já adotaram o padrão Mercosul, a minuta do Denatran é explícita ao garantir que não serão penalizados. "Os veículos que já adotaram o novo padrão de acordo com a Res. 729 (padrão Mercosul) não sofrerão qualquer restrição ou ter que mudar de placa."
Professor de Direito Administrativo da UFRGS e da PUCRS, Juarez Freitas explica que o governo pode alterar as regras sem a necessidade de ressarcimento aos cidadãos, desde que se respeite as pessoas que já efetuaram a troca.
— A exemplo do que aconteceu com o kit de primeiros socorros, a rigor, não há direito adquirido a regime institucional. Então, as regras infelizmente podem ser alteradas, desde que se respeite a confiança legítima daqueles que já fizeram a troca. Se isso for feito, a mudança pode ocorrer sem qualquer dever de indenizar.
Algumas mudanças previstas
Fim da película retrorrefletiva
A proposta cita o fim da retrorrefletividade sobre os caracteres da placa. As novas placas são revestidas com película com a inscrição das palavras Brasil e Mercosul, que mudam de cor conforme o ângulo de visualização e têm fundo branco, com margem superior azul.
Ondas sinusoidais
O texto prevê a retirada das ondas sinusoidais da placa. Esse sinal funcionava como uma marca d'água no objeto interior da película de segurança, utilizada de maneira horizontal sobre os caracteres.
Substituição de placa em outros municípios
A minuta prevê a possibilidade de substituição da placa em qualquer município, "independente da Unidade da Federação em caso de furto, roubo ou extravio; ou ainda se o veículo estiver retido e essa for uma condição para liberação".
Idas e vindas na legislação de trânsito
Relembre outras medidas que foram implantadas e, posteriormente, suspensas pelo governo federal:
- Kit de primeiros socorros em automóveis
O item começou a ser exigido em 1998, mas, após polêmica, a lei foi revogada um ano depois. O recuo gerou batalha judicial, após empresas e cidadãos se sentirem lesados. - Extintores ABC
Em 1º de janeiro de 2015, entrou em vigor determinação do Denatran sobre a obrigatoriedade do uso de extintores do tipo ABC. Após corrida de motoristas para adquirir os produtos e aumento nos preços do equipamento, o extintor deixou de ser item obrigatório em veículos em setembro do mesmo ano. - Rastreador veicular
Em outubro de 2015, o governo federal suspendeu a exigência de que os veículos passassem a sair de fábrica com um chip que funcionaria como rastreador e bloqueador. O equipamento se tornaria obrigatório a partir de maio de 2016. No entanto, o projeto acabou barrado na Justiça por ser considerado um risco à privacidade.
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